Sociedade

Empreendimento turístico suspenso no Barco por falta de licenciamento

Escrito por Sofia Craveiro

O projeto turístico da Quinta das Minas da Recheira, na freguesia do Barco, aposta na recuperação de uma antiga exploração mineira de estanho e volfrâmio. O empreendimento está parado há cerca de três anos por falta de licenciamento da Câmara da Covilhã. O promotor responsabiliza a autarquia pelo impasse, mas o município responde que «não pode ultrapassar as leis».

A Quinta das Minas da Recheira é um empreendimento turístico que pretende dinamizar os terrenos das antigas minas de estanho e volfrâmio daquele lugar da freguesia do Barco, no concelho da Covilhã. O investimento, de 3,5 milhões de euros, da responsabilidade da sociedade Os Melhores Rabiscos, Lda (sediada em São Domingos de Rana, Cascais), que junta Luís António Sabido, engenheiro civil de Lisboa, e quatro investidores nacionais e internacionais, está parado desde 2016.
A ideia dos promotores era «recuperar os 10 edifícios em estado degradado e requalificar o espaço das minas, de forma a criar um resort de turismo rural e mineiro», aproveitando a existência das minas para aliar o turismo e lazer a visitas lúdicas e geológicas. Luís Sabido, diretor técnico da obra, acrescenta que o projeto iria «criar 20 postos diretos de trabalho», mas que não avançou mais porque a autarquia da Covilhã não deu «despacho final» a um pedido de licenciamento realizado em 2014, para «recuperar e reconstruir as construções existentes» com o objetivo da sua posterior exploração hoteleira. «Passados estes anos e todos os prazos legais para o município se pronunciar, começámos a executar a limpeza da quinta e a reconstrução de alguns edifícios», recorda o responsável. O avanço da obra foi, no entanto, travado por uma denúncia na Câmara, que embargou os trabalhos e aplicou uma contraordenação, tendo havido ainda uma participação do caso ao Ministério Público (MP).
Na altura, Luís Sabido ficou a saber que «o pedido de licenciamento para as obras desapareceu do Departamento de Urbanismo da Câmara», tendo o processo sido arquivado pelo MP. «Este arquivamento foi-nos comunicado telefonicamente pelo vereador do pelouro do urbanismo sem nunca termos sido notificados pelo Ministério Público. Nunca mais tivemos conhecimento do processo de contraordenação», estranha o promotor do empreendimento suspenso há cerca de três anos.
No início de 2019 Luís Sabido fez um novo pedido de licenciamento para poder continuar a desenvolver o projeto. Contudo, a autarquia considerou haver «elementos em falta ao pedido, bem como peças do processo indevidamente elaboradas que necessitam de correção», de acordo com a notificação enviada pela autarquia a Luís Sabido, a que O INTERIOR teve acesso. A notificação data de 12 de fevereiro deste ano e o técnico superior que a assina ressalta vários aspetos desfavoráveis, como incoerências da área indicada nos documentos apresentados, além de colocar em causa pareceres obtidos pelos promotores junto da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (ERRANC), Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), Direção-Geral de Energia e Geologia do Centro e Agência Portuguesa do Ambiente. Relativamente a estes pareceres lê-se repetidamente no documento que «não foi apresentada planta autenticada pela entidade sobre a qual emitiu parecer», sendo também apontadas «incoerências» relativas à localização e à área total do empreendimento.

Localização leva a «indeferimento»

A notificação recebida levou Luís Sabido a corrigir alguns aspetos, mas na resposta não escondeu a sua indignação e considerou que houve «exagero de minúcia», «falta de experiência do técnico» e até «desconhecimento da lei», lê-se no documento enviado pelo proprietário ao vereador José Armando Reis, responsável pelo pelouro do Urbanismo na Câmara da Covilhã. As acusações e revolta do proprietário resultaram ainda num requerimento para substituição do referido técnico, que acaba por ser concretizada, mas a pedido do próprio arquiteto municipal, de acordo José Armando Reis, em declarações a O INTERIOR. Numa segunda notificação, assinada por outra técnica superior do município, já não é feita referência aos elementos analisados e apontados pelo antecessor, sendo postos em causa aspetos como a localização das edificações, por se encontrarem «em espaços naturais e culturais», e integrarem «parcialmente em zona adjacente ao rio Zêzere (área inundável)», lê-se no documento. A autarquia chama também a atenção para o facto do projeto se encontrar «em área percorrida por incêndio em 2017», o que, de acordo com o Decreto-Lei nº55/2007, estabelece «a proibição, pelo prazo de 10 anos, de várias ações nos terrenos com povoamentos florestais percorridos por incêndios, em áreas não classificadas nos planos municipais de ordenamento do território como solos urbanos». Esta situação leva a uma proposta de «indeferimento do pedido», apesar do mesmo Decreto-Lei referir a possibilidade de «levantamento das proibições» no ano subsequente ao incêndio «nos referidos casos de ações de interesse público ou de empreendimentos com relevante interesse geral reconhecidos como tal».

Câmara da Covilhã está «a fazer tudo para defender este empreendimento»

Confrontado por O INTERIOR sobre este caso, o vereador José Armando dos Reis afirma que «a lei tem de ser respeitada», assegurando que, através de pedido aos ministérios competentes, «pode ser levantada a proibição». O eleito acrescenta ainda que vai «desenvolver os mecanismos necessários para levantar a proibição no mais curto espaço de tempo – como, aliás, já fiz recentemente para outras duas obras no concelho – mas o senhor [Luís Sabido] não nos pode pedir para ultrapassar leis». Segundo o vereador do Urbanismo, o executivo covilhanense «entende que este é um projeto inovador e muito importante» para o município e sublinha que «estamos a fazer tudo para defender este empreendimento». Contudo, «não se pode começar um processo todo ferido de ilegalidades e depois querer celeridade. Como se costuma dizer, “pôs-se a carroça à frente dos bois”, por isso agora, para resolver as lacunas existentes, é necessária a colaboração de todos», afirma José Armando Serra dos Reis, para quem «não será isso que nos vai impedir de tratar este projeto com carinho e dedicação».
Sobre o afastamento do técnico superior do processo, o vereador adianta que «o promotor não teve um comportamento adequado e o técnico em causa não se sentiu à vontade para continuar com o projeto». Já quanto ao alegado desaparecimento do primeiro pedido de licenciamento, o autarca refere que «não era o vereador responsável na altura, por isso não posso responder com certezas. Contudo, acompanhei este projeto desde a sua génese e duvido que isso tenha acontecido, pois existe uma organização muito perfeita».
Perante o imbróglio em que se transformou este caso José Armando Reis deixa claro que «tem de haver paciência e não se pode considerar todos como inimigos sempre que a resposta não é favorável», e reitera que «não obstante, a realização destes procedimentos não muito adequados [por parte de Luís Sabido], estamos empenhados em desenvolver este grande e belíssimo empreendimento».

Sobre o autor

Sofia Craveiro

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