Sociedade

Desempenhar funções enquanto mulher ainda é um desafio

Mulheres
Escrito por Efigénia Marques

Uma empresária, uma presidente da Junta e uma militar da GNR relatam na primeira pessoa
os desafios de ser mulher

Numa sociedade em que a mulher tem uma presença cada vez mais forte, ainda falta muito para que homens e mulheres recebam o mesmo pelas mesmas funções. No Dia Internacional da Mulher, O INTERIOR apresenta três testemunhos de quem tem de trabalhar o dobro ou o triplo para se afirmar e mostrar capacidades e mérito na sua profissão ou função. Uma empresária, uma presidente de Junta de Freguesia e uma militar da GNR relatam na primeira pessoa os desafios de ser mulher.

«Não é fácil ser-se mulher e ser-se jovem»

Ana Monteiro tem 40 anos, mas foi com 30 que assumiu a direção-executiva da empresa de transportes Viúva Monteiro & Irmão, no Sabugal.
«Ao inicio foi mais complicado, porque muitos dos funcionários tinham andado comigo ao colo. Ou seja, não era só o facto de ser mulher, era também isso e de ser jovem. Tinha esses fatores todos que tornam difícil reconhecer a autoridade de alguém a dizer que agora queria trabalhar de determinada forma e não como estavam habituados». Esta provação, apesar de estar agora mais comedida, continua a estar bastante presente no quotidiano de Ana Monteiro. «Ainda continuo a provar que valho o mesmo que um homem na mesma situação que eu, no mesmo lugar que eu. E é difícil por isso, tem que se desconstruir e desmontar essa presunção de que as mulheres não fazem tanto ou não são tão boas quanto os homens», realça a gestora. «Acho que, em determinadas situações, não fui levada a sério tanto quanto seria normal ou o expectável. Às vezes saía das reuniões a pensar que se fosse um homem tinha sido doutra forma ou tinham-me levado a sério. Não é que não me tomassem em consideração depois, mas tive de insistir e batalhar muito mais para que me levassem a sério», confessa.

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Ana Monteiro

A empresária assumiu a empresa sabugalense após a morte do avô, que, «em testamento, deixou a mim e à minha mãe, herdeira legitima, uma parte da empresa. E a partir de certa altura a minha mãe deu-me autorização para assumir a direção-executiva da Viúva Monteiro e desde então que estou à frente do negócio», lembra. Atualmente a Viúva Monteiro & Irmão tem 40 colaboradores, dos quais três são motoristas mulheres porque «nós não fazemos distinção entre uns e outros e os colegas lá fora até são mais condescendentes com as colegas, aí ainda têm um bocadinho aquela costela paternalista. Todas fazem o trabalho como se fosse um homem, desempenham exatamente as mesmas funções tão bem ou melhor que os homens», considera.
Apesar de ainda existir o preconceito, principalmente «nos mais velhos», já «estamos todos cientes e formamos uma equipa mais coesa nesse sentido, porque, além de mim, toda a gente do escritório é mulher. Ou seja, inverteram-se um bocado os papéis. A parte operacional é maioritariamente masculina e o “back office” é feminina e somos todas mais novas que eles», o que faz com que «na minha empresa já não se sinta essa diferença», sublinha a diretora-executiva. Ana Monteiro defende que «estamos no bom caminho e vamos conseguir seguramente que deixe de existir este preconceito» entre homens e mulheres, mas essa igualdade tem de passar por «ganhar o direito de estar ali». Isto é, «não é por ser mulher que vai ocupar aquele lugar, quando, se calhar, não tem competências para isso (…) este preconceito não pode estar associado a uma obrigatoriedade de ter que se colocar mulheres em determinadas posições, porque são mulheres».

«Nem sempre é fácil assumir-me como mulher na política»

Liliana Brás é professora de Português em Serpa, no Baixo Alentejo, mãe de uma família monoparental e presidente da Junta de Freguesia da Faia, no concelho da Guarda.
Foi eleita nas autárquicas de 2021 e estar na vida política é «um desafio», já que é a sua primeira experiência. «Tem altos e baixos, mas tenho tido o apoio dos colegas do Vale do Mondego, que também têm sido fantásticos. Depois há toda uma logística familiar que me permite ter algum sucesso enquanto presidente de Junta», afirma a jovem autarca. Porém, Liliana Brás não esconde que «o papel da mulher na nossa sociedade não é fácil, nem tanto por estar na vida política. Acho que ainda temos algum percurso a percorrer. É verdade que foi feita uma emancipação e as mulheres já têm ocupado cargos superiores e importantes na nossa sociedade, em vários setores, mas o facto é que as mentalidades, em geral, ainda têm de evoluir e numa zona em que a população é envelhecida nem sempre a mentalidade acompanha os novos tempos. Por isso, confesso que nem sempre é fácil assumir-me como mulher na política», afirma.

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Liliana Brás

Apesar de considerar que o povo da Faia foi «bastante corajoso» ao votar numa mulher, Liliana Brás constata que «há sempre uma visão diferente e uma certa reticência pelo facto de ser mulher». À semelhança de Ana Monteiro, também a presidente de Junta sente que esta desconfiança vem de uma faixa etária mais velha, porque «a nova geração teve uma formação de base que não tiveram os nossos avós. Falo em termos de liberdade de expressão, por exemplo, que hoje tolera-se muito mais e antigamente isso tinha consequências».
A professora de Português lembra que «uma pessoa tem que ser muito organizada e metódica. Porque o desafio é grande e desde que abracei a política deixei de ter tempo para as minhas coisas pessoais. Passo o tempo a trabalhar, ou para a escola, ou sou mãe, ou sou presidente». Hoje em dia, a presidência da Junta de Freguesia já se consegue desempenhar à distância: «Trabalhamos muito com as novas tecnologias e, portanto, o trabalho de escritório que antes se fazia presencialmente agora é à distância de um clique. Faço as viagens noutras situações em que é necessária a minha presença, porque há determinados assuntos que só presencialmente é que se conseguem resolver ou esclarecer», admite Liliana Brás.

«Eu faço isso não porque tenha receio de ser testada enquanto mulher, mas porque se eu me preparar melhor, vou estar melhor capaz de responder aos problemas»

Natural de Chaves, mas a desempenhar funções na região desde 2015, Cláudia Videira é oficial no Comando Territorial da Guarda Nacional Republicana (GNR) da Guarda.
«Neste momento sou comandante de Destacamento. O meu trabalho passa por ver se há alguma questão, se houve alguma questão operacional que tenha surgido no dia anterior, é controlar as plataformas para ver se o serviço está bem inserido ou se há alguma coisa que deva ser corrigida. É muito de despachar documentos que venham definir se se vai para um local ou para outro. O planeamento de operações também sou eu que defino, como é que vão ser os locais, as horas, planear a instrução para os militares. Aqui já é uma questão mais superior e não tanto operacional, de controlo quer do serviço quer do bem-estar dos militares, porque sou eu que faço a ponte dos meus subordinados com os meus superiores e só se eu estiver bem por dentro do assunto de serviço e dos meus militares é que eu também sou capaz de os ajudar melhor», começa por explicar a capitão Videira a O INTERIOR.

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Cláudia Videira

O Comando Territorial da GNR da Guarda tem atualmente 608 militares e civis, dos quais 25 são mulheres militares e 13 civis. Cláudia Videira é a única oficial, apesar de considerar que «está completamente enraizada» a presença das mulheres na GNR. «Acho mesmo que a Instituição está muito recetiva às mulheres. Aliás, acho que já nem é questão de ser militar feminino ou militar masculino, independentemente das categorias e das funções em que exercemos, mas noto que pontualmente há aqui alguma resistência, mas julgo que é mais à pessoa. Ou seja, mesmo na vida civil, se calhar, vai haver situações em que não se leva uma mulher tão a sério nalguns assuntos como noutros e por isso eu não acho que seja uma cultura institucional». E por ao longo dos anos de serviço não se ter sentido desvalorizada por ser mulher, Cláudia Videira trabalha para desempenhar as suas funções «com qualidade» e não «para provar o que quer que seja a alguém», mesmo quando «sabemos que podemos ser mais testadas, então nós vamos fazer um estudo de campo muito superior para estarmos capazes de responder. Pessoalmente, eu faço isso não porque tenha receio de ser testada enquanto mulher, mas porque se eu me preparar melhor, vou estar melhor capaz de responder aos problemas», argumenta a oficial da GNR.
O mesmo aconteceu enquanto desempenhou fiscalizações no terreno: «Sempre me senti muito respeitada e até acham piada, dizem sempre que “já têm aqui uma menina”, ou que nunca viram, que é a primeira vez, ou não comentam simplesmente. Nunca em questões de fiscalização senti que fosse menosprezada ou que houvesse algum constrangimento pelo facto de ser mulher», refere. Cláudia Videira confessa que conciliar a vida pessoal com a profissional nem sempre é fácil, principalmente porque tem dois filhos em idades «muito tenras» e sente que, «às vezes, tive que abdicar ou de uma coisa ou de outra, quer em termos profissionais, porque até tinha uma oportunidade, mas não podia porque tinha que tomar conta dos meus filhos. Ou o contrário, eu ter que abdicar do tempo dos meus filhos por causa do meu trabalho, mas como somos militares também temos que ter essa disponibilidade, ainda mais nas nossas funções. Por exemplo, num dia normal posso trabalhar das nove às cinco, mas pode haver outro em que tenha que estender o horário e isto causa constrangimentos com as crianças», exemplifica.
Contudo, sempre sentiu muita flexibilidade da parte dos comandantes com quem trabalhou «para conseguir conciliar com a minha vida familiar, porque no meu caso concreto sou só eu, o meu marido e os meus filhos, não temos mais apoio familiar nenhum e isso às vezes dificulta-nos um bocadinho», orgulha-se.

 

Carina Fernandes

Sobre o autor

Efigénia Marques

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