Sociedade

Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura perde o seu principal trunfo

Escrito por Luís Martins

José Amaral Lopes bateu com a porta do projeto a duas semanas da sua apresentação em Paris. O coordenador executivo invocou «falta de condições» para continuar e na resposta a Câmara da Guarda responsabilizou-o pela «indefinição e alguma passividade» no projeto.

José Amaral Lopes demitiu-se da coordenação executiva da comissão que está a elaborar a candidatura da Guarda a Capital da Cultura em 2027. A saída do antigo secretário de Estado da Cultura e consultor da Comissão Europeia aconteceu duas semanas antes do projeto ser apresentado em Paris, este sábado, no âmbito da Festa das Vindimas.
A demissão foi formalizada no passado 30 de setembro, por email, numa carta a que O INTERIOR teve acesso. No documento, o antigo secretário de Estado da Cultura alega que a Câmara da Guarda não criou condições para a comissão trabalhar. «Não quiseram investir em nada, talvez agora comecem a fazê-lo porque o tempo já é escasso», disse José Amaral Lopes a O INTERIOR. «Demito-me porque não foram criadas condições para esta comissão trabalhar e funcionar», acrescentou o ex-coordenador, que responsabiliza diretamente o vereador da Cultura, Victor Amaral, pela situação. «Nunca respondeu às minhas propostas, e foram muitas, no último ano, nem resolveu nada. Pior, desrespeitou as normas que a própria Câmara criou quando instituiu a Estrutura de Missão ao invocar um órgão, a direção, que não funcionou», critica o coordenador demissionário.
Entre as propostas apresentadas estava a associação da Guarda à edição francesa do livro de Barata-Feyo sobre a participação dos portugueses residentes em França na resistência aos nazis durante a IIª Guerra Mundial. Outra era participar no lançamento de outro livro sobre Cargaleiro, a realizar brevemente em Paris, e uma terceira sugeria o estabelecimento de parcerias e colaborações com instituições culturais francesas, de representantes das associações culturais e de personalidades reconhecidas dos meios académicos, artísticos e culturais. «O tempo já é escasso e não há condições para apresentar um projeto sólido, coerente e fundamentado. Como já não acredito num projeto que sei não ter condições de sucesso só tinha que sair», acrescenta José Amaral Lopes, que não estava convidado para a sessão de apresentação da candidatura em Paris.
A divulgação da demissão do coordenador por O INTERIOR motivou uma conferência de imprensa, realizada na quinta-feira, em que Carlos Chaves Monteiro, presidente do município, na presença do vereador Victor Amaral reiterou que «a Câmara continua empenhada na candidatura a Capital Europeia da Cultura em 2027. Nada se perdeu com a demissão de José Amaral Lopes, pois mantém-se a capacidade e a estrutura para fundamentar a nossa intenção». Aos jornalistas, o autarca começou por adiantar que José Amaral Lopes foi contratado como «consultor e não como coordenador» porque a Estrutura de Missão ainda não foi criada e prosseguiu dizendo que o mesmo apresentou «ideias, propostas, que não se concretizaram em ações exequíveis que consubstanciassem esta candidatura». Ora, esta declaração contraria a deliberação tomada, por unanimidade, em reunião do executivo, em março de 2018, onde se afirma o contrário, que José Amaral Lopes será o coordenador executivo da referida comissão. Pormenor à parte, Carlos Chaves Monteiro responsabilizou ainda José Amaral Lopes por não ter sido capaz de «solidificar o “cimento” entre os parceiros» do projeto: «O que houve foi alguma indefinição do caminho a seguir, passividade e falta de interligação entre as partes», afirmou o presidente da Câmara, que anunciou que a imagem corporativa da candidatura será revelada dia 17. Já Victor Amaral vai assumir a coordenação executiva do projeto, estando a Câmara a trabalhar na criação da Estrutura de Missão e na constituição de equipas de trabalho para operacionalizar a candidatura.

João Heitor considera que candidatura perdeu «grande trunfo»

No dia seguinte a candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura sofreu mais um rombo. João Heitor, consultor para a área da diáspora a residir em Paris, e que era suposto preparar a apresentação do projeto na cidade francesa, anunciou que terminou a sua colaboração com a autarquia.
Segundo apurou O INTERIOR, o livreiro e editor natural da Mêda continuava a aguardar que o município formalizasse a sua consultadoria, o que não aconteceu até à data, e tinha vindo a trabalhar “pro bono” para a candidatura. «Mas esse não é o problema, o problema foi um certo “laisser aller” da Câmara», disse João Heitor a O INTERIOR. A demissão de José Amaral Lopes foi a “gota de água” que ditou a sua saída da iniciativa. «A candidatura da Guarda perdeu um grande trunfo. José Amaral Lopes é um dos melhores técnicos da área da Cultura em Portugal e dos mais capazes», sublinha o editor, para quem esta participação na Festa das Vindimas foi feita «em cima do joelho». João Heitor classifica de «deselegante o que aconteceu» e disse-se «entristecido» pelo afastamento do antigo secretário de Estado da Cultura, «que foi totalmente posto de lado na vinda a Paris».
«Sem José Amaral Lopes não tenho muita vontade de colaborar porque foi um ano perdido fruto do desleixo de Victor Amaral. Fiquei muito triste porque o poder local da Guarda não está nada maduro para as questões culturais. Ainda tive a expetativa que o presidente da Câmara reconsiderasse a demissão de José Amaral Lopes», confidencia. Na sua opinião, «faltou dinamismo e ação por parte da autarquia porque ideias e projetos houve muitos», tendo destacado a realização de bienais de arte, música e literatura, bem como um festival de cinema, entre outras iniciativas.

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Luís Martins

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