É cerca de um quilómetro de rua, onde em mais de metade não existe lugar de estacionamento, nem sinal de proibição ou permissão de estacionamento. Sem outra alternativa e sendo esta uma rua habitacional, resta aos moradores e comerciantes estacionar junto à estrada, «como sempre fizemos», justifica Carlos Santarém, proprietário de um café local, acrescentando que «não se trata de um estacionamento conflituoso, até porque o trânsito flui normalmente como noutras artérias da cidade». Algo a que garante ter sempre «bastante atenção».
Foi em dezembro que as primeiras multas começaram a aparecer, sendo que datavam de setembro e outubro. Só num dia o carteiro terá distribuído cerca de 44 cartas do Instituto da Mobilidade e dos Transportes que viriam a revelar-se uma coima por mau estacionamento. «Foi uma surpresa», confessa Carlos Santarém, que garante que fez «o mesmo ao longo de décadas e sem que nada o justifique aparece-nos uma multa porque o carro estava mal estacionado». Ao que lhe foi explicado, na base da multa está o artigo do Código da Estrada que impede o estacionamento na faixa de rodagem. «No entanto, nós não temos outra alternativa e além do mais não há sinalização a indicar que o estacionamento é proibido», afirma. Devido a um problema de saúde Carlos Santarém tem dificuldades em deslocar-se a pé e mora «relativamente longe» do local de trabalho, pelo que «irei continuar a estacionar aqui o carro».
Isabel Monteiro, moradora na 30 de junho «há 38 anos», manifestou o mesmo descontentamento a O INTERIOR. No seu caso, no mesmo dia recebeu duas multas do mesmo carro, mas em dias diferentes. Só no seu prédio existem 10 apartamentos e «não temos nenhum sítio para deixar o carro». Apesar de ter pago as primeiras multas, a moradora diz que não sabe se pagará «mais alguma, porque se todos os meses passarem aqui, todos os meses seremos multados. Diz-se por aí que eles já passaram mais vezes». O comportamento da GNR é sempre o mesmo: a patrulha passa, identifica os carros que considera estarem em infração e segue, uma atitude que aumenta a «indignação» de quem já foi multado, pois dizem que «nunca fomos alertados para esta situação», adianta Carmo Morgado, uma das multadas. «Já por aqui passaram várias vezes e nunca se preocuparam em conversar com os moradores ou até alertar para uma mudança de atitude», acrescenta.
Com «medo» de uma nova multa, Carmo Morgado deixa agora o carro «a cerca de 20 minutos de casa», uma distância que tem de percorrer «a pé e num percurso inclinado. Se tenho uma urgência, não tenho o carro por perto», lamenta. Também Marco Oliveira, responsável de uma loja de ferragens na mesma rua, foi brindado em dezembro «com uma multa inesperada». Recorda que esse dia «foi um alvoroço, porque toda a gente estranhou as multas». O comerciante garante que o trânsito «passa normalmente» e recorda que «há aqui prédios sem qualquer estacionamento». Nas ruas fala-se já em «perseguição» por parte das autoridades e os comerciantes temem que a torrente de multas de estacionamento venha a afetar o negócio. Marco Oliveira exemplifica que um dos seus clientes «também foi multado, numa questão de minutos». Se esta situação se tornar recorrente «as pessoas começam a pensar duas vezes se vale a pena vir à loja, uma vez que não têm estacionamento perto», lamenta o comerciante.
O mesmo refere Carlos Santarém, para quem «se a mensagem passa, alguns clientes que passam por aqui e poderiam parar já não o fazem porque têm receio de ser multados. Mesmo que sejam só cinco minutos podem ser multados e um café em vez de custar 60 cêntimos, passa a custar 30 ou 60 euros a mais». Também Jéssica Morais, proprietária de um cabeleireiro na mesma rua, teme que as multas possam afastar clientes. Até agora nenhum dos seus clientes foi multado «porque a GNR passou sempre em dias que estamos encerrados, mas se não houver uma mudança, também nós seremos prejudicados», receia. Moradores e comerciantes da Rua 30 de Junho pedem agora «uma solução» que deverá passar pela colocação de sinais que permitam o estacionamento de um dos lados da rua.
Junta de Freguesia pede colocação de sinalética
A indignação dos moradores tem sido comunicada à Junta de freguesia, que procura resolver a situação junto da Câmara da Covilhã.
O presidente da Junta diz que «procurou uma explicação junto da GNR assim que recebeu as queixas» e disponibilizou à população um formulário para reclamarem da multa, sendo que será necessário, primeiro, proceder ao pagamento de forma a evitar uma agravante. Pedro Leitão alerta que esta é uma rua «com uma grande concentração de população», cujo urbanismo remete para os anos 80, «sem direção de estacionamento». Além disso, «a própria orografia do terreno, com muita inclinação, não permite criar ali outras alternativas», acrescenta o autarca. O desejável seria a criação de bolsas estacionamento, o que «não será possível», devido às dimensões exigidas para a faixa de rodagem.
O presidente da Junta critica também a atuação das autoridades, «que passam a baixa velocidade, sem nunca avisar», acrescentando que «as pessoas achavam que estavam a estacionar bem, como fizeram durante anos, sem nunca serem alertadas». E recorda as autoridades que, «acima da lei que emana dos homens, está a estabilidade da sociedade», pelo que «deveria haver um comportamento mais consensual e democrático» por parte da GNR. A solução para o problema está agora nas mãos da Câmara, que deverá debater o assunto na primeira reunião do executivo de fevereiro. Até lá, a GNR da Covilhã vai «continuar a fazer o seu trabalho», afirma o capitão Luís Moreira. Confrontado com as críticas da população e do presidente da Junta, o comandante do posto da GNR esclarece que «não compete às autoridades sensibilizar para o eventual delito ou infração», pois «sempre que um agente presenciar uma infração tem de autuar».