Região

Regionalização estará de novo em marcha?

Escrito por Luís Martins

A criação de uma Lei-quadro das Regiões Administrativas e a realização de um novo referendo, que não deve incluir uma pergunta de alcance regional, são as principais recomendações da Comissão Independente para a Descentralização, divulgadas na semana passada.

A Comissão Independente para a Descentralização, liderada por João Cravinho, defende a criação de uma nova Lei-quadro da regionalização e a realização de um referendo sobre o tema, que não deve ter a pergunta de alcance regional.
As conclusões foram entregues na semana passada na Assembleia da República, passados mais de vinte anos do primeiro referendo ter resultado no chumbo do processo de criação de regiões administrativas em Portugal continental. Assente a poeira e a polémica sobre o assunto, a Comissão criada pelo Parlamento sugere a manutenção das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das áreas metropolitanas, estas últimas «como realidades com identidade específica e com um modelo de gestão distinto do adotado para as demais áreas urbanas, para resolver os problemas que lhes são próprios». Já a localização das futuras Juntas Regionais, a conclusão é que «por razões práticas» estas devem coincidir com a das atuais Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR), sendo que as Assembleias Regionais devem «ter em conta a configuração geográfica de cada uma das regiões numa ótica de equidade territorial, podendo ser tendencialmente fixa ou rotativa».
De acordo com o documento final da Comissão, as futuras regiões administrativas devem, numa primeira fase, dar prioridade à gestão de fundos europeus estruturais e de investimento, apesar de poderem também assumir competências na cultura, agricultura e educação. Nesta fase de arranque, que se estima ser de quatro anos, o governo das futuras regiões administrativas deve centrar-se na decisão e coordenação de «políticas de âmbito transversal, reforçando a capacidade de intervenção nos domínios de ação das atuais CCDR», ou seja, no desenvolvimento regional, ordenamento do território e cidades, ambiente e cooperação regional transfronteiriça. Neste período as
regiões também poderão receber atribuições e competências nos domínios da cultura, da agricultura, da educação e da saúde, desde que «se comprove que as alterações institucionais que terão de ocorrer aos níveis nacional (serviços centrais) e regional (serviços desconcentrados) não contribuem para diminuir a capacidade efetiva de as regiões administrativas desempenharem com eficácia e eficiência» a sua intervenção na gestão dos fundos comunitários.

Governo tem que assumir «todas as responsabilidades» atribuídas pela Constituição

Já no quinto ano de funcionamento, «e levando em conta quer os resultados de uma avaliação de desempenho e de impacto relativa aos quatro anos anteriores (primeiro mandato dos órgãos eleitos), quer as capacidades existentes em cada região, estas poderão vir a acolher novas atribuições e competências provenientes da administração desconcentrada ou de serviços centrais da administração, por iniciativa da região e como resultado de um processo de negociação com as respetivas tutelas», salienta o relatório final. A Comissão destaca também que «é indispensável que o primeiro-ministro e o Governo assumam todas as responsabilidades que a Constituição lhes atribui no que se refere à regionalização». Nesse sentido, será o Governo a verificar o «cumprimento da legalidade» e poderá inclusivamente, em casos graves, «destituir o órgão executivo das regiões administrativas – a Junta Regional» ou até «dissolver os órgãos das regiões administrativas, seguindo-se, obrigatoriamente, a convocação de eleições». Estas e outras especificidades devem constar da nova Lei-Quadro das Regiões Administrativas, que deverá conferir do Governo poderes inspetivos, recomenda a Comissão.
A nova lei-quadro deverá ainda consagrar o modelo de funcionamento do sistema de governo das regiões, nomeadamente que a eleição da Junta Regional «se realiza segundo o sistema de representação maioritária, por escrutínio secreto e por listas plurinominais, na primeira sessão da Assembleia Regional, sendo que o presidente da Junta Regional é o primeiro elemento da lista mais votada». A Comissão sublinha no relatório que a regionalização não anula o processo em curso de descentralização de competências do Estado central para os municípios e freguesias, pois a criação de regiões é «uma das componentes do processo de descentralização», que pode transferir «atribuições e competências para as regiões administrativas, para as entidades intermunicipais (áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), para os municípios e para as freguesias».
A Comissão Independente para a Descentralização foi criada em 2018 para avaliar a organização e funções do Estado ao nível regional e intermunicipal e os trabalhos foram conduzidos pelo antigo ministro socialista João Cravinho.

Reações

«Seria uma mais-valia para as regiões de baixa densidade e para as respetivas Câmaras»

Amílcar Salvador, autarca de Trancoso

Amílcar Salvador mantém a opinião que tinha à época do referendo de 1998, quando era «a favor» da regionalização e «continuo a ser».
Para o presidente da Câmara de Trancoso, a transferência de poderes e competências «seria uma mais-valia para as regiões de baixa densidade e para as respetivas câmaras municipais, que não possuem verbas para investir nos seus territórios após fazerem face a todas as despesas regulares do município». O edil socialista acredita que, «passados mais de 20 anos, as pessoas, em especial as que residem nestas regiões, concordam com a aprovação desta proposta» que lamenta «não ter avançado no passado». Espera, por isso, que a regionalização seja concretizada, «de preferência num ano em que não existam qualquer tipo de atos eleitorais».

«Seria uma forma de valorizar o interior»

Anselmo Sousa, Presidente da Câmara de Mêda

O autarca da Mêda é «completamente a favor» da regionalização, que seria «uma forma de valorizar o interior».
Anselmo Sousa afirma que «nós, autarcas, estamos no terreno e por essa razão poderíamos fazer melhor com menos custos para o poder central». O presidente do município salienta que, apesar de «se falar muito na valorização do interior, poucas coisas são concretizadas efetivamente». Por isso, «todos teríamos a beneficiar com a aprovação desta proposta», que deveria «estar incluída nos planos eleitorais para as próximas legislativas», podendo ser posta em prática pelo próximo Governo. Se isso acontecesse, Anselmo Sousa considera que poderia ser descartada a hipótese de referendo, já que, «pelo menos no interior do país, acredito que a maioria da população seja a favor da regionalização».

«Temo que seja mais uma bandeira agitada em tempo eleitoral»

António Robalo, presidente do município do Sabugal

Para o presidente da Câmara do Sabugal, a coesão territorial é a razão mais importante para efetivar a regionalização.
«É óbvio que, se pensarmos nesse sentido, de forma a que todo o país possa desenvolver-se à mesma velocidade e maximizar os recursos do território, é evidente que sou a favor», sublinha António Robalo. O autarca raiano mantém-se cético no que respeita à concretização da medida, receando mesmo que «seja mais uma bandeira agitada em tempo eleitoral», isto porque «não vejo o país – e os seus dois maiores partidos – do mesmo lado». Contudo, o presidente social-democrata ressalva que «o que interessava verdadeiramente era que os residentes tivessem voz ativa» na gestão das suas regiões para que «se criassem formas de delinear o caminho para o futuro» destes territórios.

«Seria bom retirar a centralidade de Lisboa e combater a discriminação que sofremos no interior»

Carlos Ascensão, edil de Celorico da Beira

«Estou cada vez mais convicto que a regionalização seria desejável e permitiria combater as assimetrias do país». Esta é a opinião do presidente da Câmara de Celorico da Beira.
Carlos Ascensão afirma ser diferente da que tinha à época do primeiro referendo sobre este assunto, em 1998. «Seria bom retirar a centralidade de Lisboa e combater a discriminação que sofremos no interior», acrescenta o autarca, que acredita que agora que o assunto está novamente em cima da mesa será «um processo que não terá como voltar atrás» e será tratado «de uma forma ou de outra». O edil celoricense considera que as «políticas de discriminação positiva do interior tornam-se negativas, pois o eleitoralismo está acima de tudo». Na sua opinião, a população da região será «unânime e sabe que a regionalização é um processo positivo» para os territórios de baixa densidade, como é o caso do distrito da Guarda.

«Assunto deve ser discutido na Assembleia da República»

Carlos Filipe Camelo, Presidente da CIMBSE e autarca de Seia

«Já tardava este assunto vir à tona», afirma o presidente da Comunidade Intermunicipal Beiras e Serra da Estrela, que sublinha que, embora concorde com a medida, este «não é o momento certo para esta discussão devido à proximidade eleitoral».
A regionalização «deve ser discutida na Assembleia da República» de forma a ser um assunto considerado «com maior credibilidade», justifica Carlos Filipe Camelo, para quem «um dos obstáculos do passado – a questão da divisão geográfica, que levou à sua reprovação, em 1998 – está ultrapassado, a meu ver». Para o autarca de Seia, a regionalização seria «uma forma hábil de dar maior credibilidade à política e políticos», na medida em que «aproxima os eleitos dos eleitores, aumentando a responsabilização dos primeiros». O edil socialista afirma que devem ser consideradas em particular «questões relativas à educação e saúde» para garantir a adequada «gestão de fundos estruturais» nos municípios.

Regionalização deve ser assumida de «forma racional, responsável e com convicção»

Carlos Chaves Monteiro, presidente da Câmara da Guarda

A regionalização tem que ser um processo «assumido de forma racional, responsável e com convicção», considera Carlos Chaves Monteiro.
O presidente do município da Guarda recorda que a criação de regiões administrativas tem sido adiada desde o 25 de Abril, pelo que «estamos atrasados», mas que terá chegado o momento de «se pensar numa nova forma de gerir o país, que será porventura mais eficaz». Na sua opinião, os decisores devem ter em conta «o desenvolvimento local conseguido graças ao reforço do municipalismo», mas também que o objetivo da regionalização é «a melhoria da qualidade de vida das populações, o desenvolvimento das regiões e, por último, a coesão territorial». Carlos Chaves Monteiro sublinha também que este passo «é determinante para o desenvolvimento» do país, pois tem «mais vantagens do que desvantagens, além do mais está na Constituição». Contudo, o edil guardense alerta para os «elevados custos» da criação de regiões, pelo que pede «racionalidade e contenção».

A regionalização «já devia ter acontecido»

Esmeraldo Carvalhinho, presidente da Câmara de Manteigas

O presidente da Câmara de Manteigas deixa clara a sua opinião, ao afirmar que concorda, «claro que sim», com a regionalização.
Esmeraldo Carvalhinho considera que ela «já devia ter acontecido e sempre defendi que deveria ser feita». O referendo realizado em 1998 redundou no chumbo da proposta «não porque ela não fosse necessária, mas porque o mapa não reunia consenso da população», recorda o autarca socialista. O edil manteiguense acredita que «este é o momento certo» para que a proposta avance e considera que o assunto «deveria ser incluído nas propostas eleitorais às próximas legislativas, e ser discutida convenientemente». Apesar da posição a favor, Esmeraldo Carvalhinho salienta que a regionalização «é mais importante do que a descentralização», pois «a dimensão dos municípios não é igual».

«O envelope financeiro teria de ser adequado à realidade municipal»

Gustavo Duarte, presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa

«Sou a favor», é a posição do autarca de Vila Nova de Foz Côa. Apesar da concordância, Gustavo Duarte salienta que «tudo teria de ser discutido, pois o envelope financeiro teria de ser adequado à realidade municipal».
Considerando que haveria benefícios para os territórios da região, no caso particular do município que lidera, o edil social-democrata afirma que «entendemos que seria difícil de gerir, com os recursos financeiros que temos atualmente». Gustavo Duarte refere ainda que «para ganharmos competências, as condições teriam de ser bem avaliadas e consideradas». Sobre a aceitação e execução da proposta de regionalização, o autarca fozcoense admite ter «algumas dúvidas quanto à celeridade do processo».

«O importante não é o mapa, mas o que pode ser feito pela região»

Manuel Fonseca, autarca de Fornos de Algodres

Os benefícios da regionalização são evidentes para Manuel Fonseca, que assegura que este assunto deveria ser incluído «na agenda política do Governo».
O autarca de Fornos de Algodres diz ter «ficado provado que – desde que o assunto esteve em discussão, há cerca de 20 anos – nada mudou no interior do país». Assim sendo, o socialista salienta que «o importante não é o mapa, mas sim o que podia ser feito por estas regiões». Sobre o desenvolvimento do assunto no poder central, Manuel Fonseca acredita que «desta vez avance» e chama a atenção para a importância das autarquias «adquirirem mais ferramentas de planeamento» caso a proposta seja aprovada.

«Só quem trabalha próximo da população sabe o que é mais adequado»

Paulo Langrouva, presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo

O edil de Figueira de Castelo Rodrigo considera que «é necessário e essencial que a regionalização prossiga».
Segundo Paulo Langrouva, as regiões «sabem o que precisam» e que possuem maior noção de quais os «projetos-âncora cruciais para o seu desenvolvimento e os financiamentos necessários». Para o autarca socialista, «só quem trabalha próximo da população sabe o que é mais adequado» para melhorar a sua qualidade de vida. Apesar de concordar com o avanço da proposta, o autarca afirma ter «algumas reservas quanto à sua continuidade» mas acredita que «se houver um debate sério» as alterações podem concretizar-se, pois «há hoje uma maior consciencialização das necessidades destes territórios». Paulo Langrouva acrescenta que, «ao contrário do que aconteceu há 20 anos, a população está hoje mais desperta para este assunto e penso que tem consciência de que muito poderia ter sido feito» em matéria de regionalização.

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Luís Martins

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