A história da Quinta do Rio Noémi remonta ao século XIX, com a chegada à propriedade da família Canotilho. Desde então, a quinta, nas proximidades da Guarda, passou de geração em geração e é hoje de Joaquim Canotilho e dos dois filhos, que à atividade agrícola associaram o melhor espaço de turismo de natureza do concelho, com um hotel em espaço rural de excelência.
A antiga casa dos caseiros deu lugar a uma unidade requintada, onde os turistas podem sentir um ambiente familiar e tranquilo. Depois de anos de degradação, o edifício foi completamente remodelado: «Quando tomei conta dela, há 30 anos, ainda havia cá uma família de caseiros, mas só me servia da casa para guardar fardos de palha para as vacas que andavam por aí», lembra Joaquim Canotilho. Com pouca utilização, desta casa continuavam apenas “de pé” os estábulos dos cavalos porque o resto estava «tudo uma ruína», acrescenta o proprietário. Com 40 hectares, e a três minutos da cidade, é o rio Noémi que rasga a «extremidade esquerda» da quinta que, neste momento, «só conta com 30 vacas de campo», porque Joaquim Canotilho decidiu diminuir a quantidade de animais. «Chegam e sobram, porque cheguei à conclusão que o que dá dinheiro é a terra», justifica.
A quinta, que outrora foi apenas agrícola, iniciou este Verão um novo tempo, o do turismo sustentável e de qualidade em espaço rural. O “hotel” em turismo rural dispõe de seis quartos e de um apartamento, se bem que o apartamento está «muitas vezes reservado para o meu irmão, que está nos Açores, quando vem à Guarda e até foi mobilado com a mobília da minha mãe». De resto, a decoração equilibrada e moderna tem as memórias da família, inclusive móveis, fotografias e objetos, em todos os recantos da quinta. Mas, mais do que a tradição, a casa combina a modernidade com vivências de outrora de forma glamorosa e elegante. «Eu sou muito agarrado às memórias. Mesmo na loja tenho a história comercial da Guarda, tenho faturas de alfaiates e tudo mais, e é a única casa na Guarda que vai fazer 100 anos nas mãos dos mesmos donos. Há algumas coisas que estão à mostra para as pessoas verem, porque é algo que me diz muito», refere, emocionado, o também comerciante de tecidos e vestuário no centro da Guarda.
Para além das memórias que vêm com as mobílias da casa da mãe e da avó de Joaquim Canotilho, as imagens do bisavô, da avó e dos avós vão preenchendo discretamente as paredes da casa. Joaquim Canotilho tem também uma relíquia que o acompanha «para todo o lado desde 1973», o cartaz da feira da Golegã, «a última antes do 25 de Abril». Para o empresário, o “hotel” já é a segunda casa, aqui passa grande parte do tempo, aqui convive com a família e aqui «já fiz mais amigos nestes últimos seis meses do que na minha vida toda», confessa.
Primazia aos produtos da região
«Não sabia que poderia vir a gostar tanto desta vida» hoteleira, comenta o empresário, explicando que «temos uma sala comum onde recebemos os hóspedes, temos uma sala de refeições onde de momento servimos apenas os pequenos-almoços. Temos um forno, a parte dos grelhados e na quinta há sempre alguém para receber os hóspedes, a quem damos um lanche de boas-vindas e fazemos questão de estar presentes ao pequeno almoço. O mesmo acontece quando se vão embora», adianta.
A pandemia acabou por atrasar o processo de obras e de abertura, mas Joaquim Canotilho diz ser «curioso» ver a evolução do espaço, porque, «em agosto, estivemos sempre cheios, com pessoas em teletrabalho ou em descanso, e a piscina ajuda porque isto é muito quente no Verão». Para além da vertente hoteleira da quinta, a fauna e a flora são importantes para um espaço onde há vacas e quatro éguas, e recebe a visita de cegonhas. «Os meus filhos são veterinários e ocupam-se dos animais e há um profissional do ICNF que vem cá fotografar pássaros porque diz que há uma grande variedade de pássaros na quinta», relata Joaquim Canotilho.
Para o empresário, «há muitos turistas na Guarda» que passam pela cidade e gostam «deste tipo de turismo e acabam por ficar um ou dois dias aqui, mesmo em viagem, para descansar antes de regressarem à estrada». Hoje, o proprietário da Quinta do Rio Noémi confessa gostar muito do que faz: «Os meus filhos têm menos tempo, mas têm as mesmas preocupações que eu, só que eu tenho uma maior ligação com quem nos visita. Aqui há muito sossego e muita paz, mal os nossos hóspedes se levantam têm os cavalos à porta de casa», exemplifica.
A decoração da quinta vem de materiais recuperados e também de produtos comprados na região, como as mantas de burel de Manteigas. O vinho e o queijo também são da região porque a Joaquim Canotilho não interessa ter «algo que quebre este ciclo». Das suites vê-se a silhueta da cidade, para norte, e o rio Noémi, ali ao lado, para sul. «Houve uma preocupação de fazer isto de maneira pensada», numa casa com paredes «com um metro de largura» que permitem uma boa regularização da temperatura dos quartos e com eletricidade produzida em painéis fotovoltaicos durante o dia, o edifício é autossustentável. Duas das suites caraterizam-se, para lá do espaço, pelas cabeceiras da cama, feitas a partir do «balcão da nossa antiga loja» e depois há o alpendre «onde, no Verão, servimos o pequeno-almoço».
Com uma experiência hoteleira apenas na «ótica do utilizador», o empresário confidencia que «quem saiba receber facilmente resolve os problemas. Em seis meses já tivemos pessoas a repetir a estadia, e eu nunca estive tão contente como agora. Não me custa vir para o trabalho e todos os dias vou buscar o pão quentinho às 7 da manhã». Um dos seus filhos, também Joaquim, diz que «tem muito orgulho e satisfação de viver na Guarda», à qual regressou depois de se licenciar em veterinária, «um curso que se concilia bem com este negócio, porque o turismo é um complemento ótimo para explorações pecuárias».
Para Joaquim Canotilho, filho, viver na Guarda dá «outra qualidade de vida» à sua família, mas «as portagens e os gastos para ir daqui a Lisboa, são coisas com as quais não concordo», contudo não pensa em sair da Guarda porque «há muito mercado por explorar e há imensas coisas para fazer ainda». Assevera, por isso, com otimismo que «só depois de abrirmos portas é que percebemos que as pessoas dão valor a coisas pelas quais antes nem dávamos, como passear no campo ou andar a cavalo». O filho mais velho de Joaquim refere que a Guarda tem «muito para vender, a posição da cidade, com os aeroportos relativamente perto de Lisboa, Porto, Madrid, as Aldeias Históricas e a Serra da Estrela» são pontos de interesse para muitas pessoas que visitam a quinta e os proprietários fazem «o trabalho de casa, para ajudar os clientes a visitar e facilitar os passeios deles».
João Canotilho é o filho mais novo de Joaquim Canotilho, também estudou fora e regressou à Guarda porque «vale sempre a pena voltar e o melhor é estar com a família». Também é veterinário e partilha da mesma opinião do irmão, «em que os negócios se complementam».
João casou-se na quinta e, com 29 anos, concorda que o futuro da região «passa muito pelo turismo», que é uma opção de negócio «para criarmos famílias no interior» e adianta que pretendem expandir este projeto «com pequenos apartamentos espalhados pela quinta».
A mulher de Joaquim Canotilho reside na Guarda há mais de 30 anos, é professora e diz que gosta «de viver na Guarda, apesar de ter sido difícil no início, agora estou adaptada e já conheço mais gente aqui do que em Mafra», de onde é natural. Isabel Canotilho não tem tempo livre para dedicar à quinta, como gostaria, mas diz que gosta muito de receber as pessoas e não se importava de «ficar aqui uma tarde inteira – se tivesse mais tempo – a falar com elas porque têm histórias engraçadas». Isabel afirma mesmo que «o que faço com as pessoas aqui é o que fazia se recebesse alguém em minha casa».
Mais do que um hotel, a família Canotilho quer continuar na Quinta do Rio Noémi à espera dos turistas para lhes dar a conhecer uma parte das Beiras que têm dentro de 40 hectares.
Luís Baptista-Martins e Emanuel Brasil