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Identidade da “Velha” do magusto de Aldeia Viçosa revelada na quinta-feira

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Escrito por Carlos Gomes

Há 326 anos, pelo menos, que a população cumpre ritual do “Magusto da Velha” no dia 26 de dezembro

Não haverá no distrito da Guarda tradição natalícia tão antiga como o “Magusto da Velha”, que se cumpre religiosamente há, pelo menos, 326 anos em Aldeia Viçosa (Guarda). Um dia depois do Natal reza-se uma missa por uma benemérita e oferecem-se castanhas e vinho à população.
A tradição remonta ao século XVII, segundo os dados até agora conhecidos, e teve origem na herança deixada por uma mulher abastada, cujo nome vai ser finalmente revelado na tarde desta quinta-feira. Luís Prata, presidente da Junta de Freguesia, garante que o mistério «será desvendado durante a apresentação do livro “Uma Pitança pela Boa Alma”, da autoria do historiador Daniel Martins». O autarca adianta que a obra «inclui muitas pistas e dados sobre as origens e família da benemérita, depois de um estudo suportado em dezenas de documentos originais e cópias, em que o mais antigo data do século XIII». Será também revelada «a casa onde a velha viveu», acrescenta.
Luís Prata realça ainda que a investigação de Daniel Martins também foi baseada numa outra, realizada em 2008 por José Manuel Coutinho. As pesquisas do historiador natural da freguesia, falecido em 2011, deram origem ao livro “O magusto – por obrigação e devoção”, que contém novos elementos sobre aquela que é a mais antiga tradição do Vale do Mondego e única em Portugal. O estudioso contava que «mais vale entender o contexto da dádiva do que saber o nome da benemérita, que pode ser sempre duvidoso». Por isso, e uma vez que «não existem certezas», José Manuel Coutinho avançou na altura outras 17 possibilidades de nomes para a enigmática “Velha”.
Treze anos depois, o nome da benemérita vai mesmo ser revelado, sendo certo que a festa, realizada impreterivelmente a 26 de dezembro, acompanha as gentes da antiga Vila do Porco há mais de três séculos, num ritual que tem tanto de antigo, como de misterioso. E tudo volta a acontecer na tarde desta quinta-feira no largo principal desta aldeia do Vale do Mondego. Depois da missa serão lançados 150 quilos de castanhas da torre da igreja para o adro, onde os mais jovens aproveitam para saltar para as costas de quem se baixa para as apanhar do chão, nas habituais “cavaladas”. A Junta de Freguesia oferece o vinho acompanhado de pão torrado com azeite novo.
Recorde-se que o “Magusto da Velha” tem origem numa herança deixada, em 1698, aos habitantes de Aldeia Viçosa por uma mulher abastada. Segundo a tradição, a “velha”, como passou a ser tratada popularmente, quis que os residentes comessem castanhas e bebessem vinho uma vez por ano e, em troca, rezassem um pai-nosso pela sua alma. A herança que está na origem desta tradição é mencionada no “Livro de Usos e Costumes da Igreja do Lugar de Porco” e, ainda hoje, a Junta de Freguesia recebe anualmente uma renda perpétua de poucos cêntimos, que é depositada na sua conta bancária pelo Instituto de Gestão do Crédito Público. O IGCP já quis comprar esta herança, há alguns anos, por 3 mil euros, contudo, ninguém na aldeia quis vender a renda para preservar a tradição.
A Junta de Freguesia tem atualmente a decorrer o processo de inscrição do “Magusto da Velha” no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial e, para Luís Prata, a descoberta do nome da “Velha” pode ser «um contributo importante para esse objetivo». Na verdade, não há ninguém na freguesia que não saiba de “cor e salteado” a história do peculiar magusto. Os habitantes contam que «se viviam tempos de fome e havia uma velha, tão velha quanto rica», que deixou uma herança acompanhada de indicações precisas. Uma quantia em dinheiro que deveria ser usado para que, todos os anos, o povo pudesse comer castanhas assadas no fogo do Natal. Mais uma vez, vai cumprir-se a tradição.

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Carlos Gomes

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