Região

A arte de trabalhar a madeira que resiste à passagem do tempo

Escrito por Sofia Craveiro

José Galvão trabalha a madeira à mão, criando peças tradicionais para o gado e utensílios de cozinha. Usando navalhas e instrumentos manuais, o artesão de Unhais da Serra fabrica colheres de pau, “tasgas”, e badalos para os chocalhos dos animais, dando origem a peças utilitárias únicas.

O processo começa com um pedaço de madeira, encontrado na mata ou abandonado por desperdício de alguém. Depois de cortada e alisada a superfície, a navalha, já gasta, começa a dar forma a peças tradicionais e simples que vão ganhando ornamentos, gravados à medida por José Pereira Galvão, de Unhais da Serra (Covilhã), que fabrica manualmente peças em madeira.
Com o recurso a navalhas de vários tamanhos, o artesão raspa e molda colheres de pau e “tasgas” para as coleiras do gado (nome tradicional dado a pequenas peças de madeira, semelhantes a colheres, que encaixam lateralmente no couro das coleiras dos animais). «Começo com um pedaço de madeira que vou raspando até obter a forma que quero, depois aperfeiçoo e cravo pequenos desenhos com a navalha, conforme me apetece», refere. Além disso esculpe também facas artesanais e badalos, que incorpora nos tradicionais chocalhos. Nascido em 1942, José Galvão vive na vila serrana há 51 anos. Natural de Alvoco da Serra, do outro lado da Serra da Estrela, no concelho Seia, o já reformado trabalhador fabril, mudou-se para esta freguesia no concelho da Covilhã após o casamento, em 1968.
A pequena oficina onde trabalha a sua arte mostra o acumular de uma paixão que preenche os seus dias. Ao passar a pequena porta de ferro, que dá entrada para a oficina improvisada de tecto supreendentemente baixo, são visíveis centenas de colheres, facas e “tasgas” penduradas nas paredes deste cubículo que também serve de armazém. «Nem sei muito bem a quantidade de peças que tenho atualmente. A primeira vez que contei tinha 400, mas já foi há algum tempo. Penso que agora devo ter aqui mais de 2.000, que fui fazendo e pendurando para quando fosse preciso», revela o artesão. Desde novo que começou o trabalho na pecuária com o pai, atividade que lhe fez ganhar interesse nesta arte. «Andava com as cabras do meu pai e vi as tasgas que tinham na coleira. Achei que se tentasse havia de conseguir fazê-las eu mesmo, e assim fiz», recorda.
Depois desse trabalho muitos se seguiram. Entre várias atividades, José Galvão trabalhou nas Minas da Panasqueira e na manutenção da fábrica de lanifícios A Penteadora, em Unhais. Reformou-se em 2001, altura em que se dedicou mais arduamente ao fabrico artesanal destes utensílios. Viúvo há quatro anos, passou das peças para o gado aos utensílios de cozinha por necessidade da esposa. «Já fazia as peças para as coleiras de gado há algum tempo quando a minha mulher disse que precisava de colheres de pau para cozinhar. Na altura tinha um bocado de madeira de pinheiro disponível e pensei que poderia fazer as colheres a partir dali. A minha mulher fez um desenho de como gostaria que ficassem e assim as fiz», adianta o artesão. A perícia que adquiriu permite-lhe fabricar quatro ou cinco colheres de madeira num dia, «isto se já tiver a madeira pronta, claro, caso contrário perco mais tempo a traçar e talhar cada pedaço».

A Arte que ninguém quer aprender

Cerejeira, oliveira, medronho e castanheiro são as matérias-primas de eleição para trabalhar à mão, dando origem a peças para chocalhos que permanecem décadas penduradas no pescoço dos bovinos. Além de esculpir a peça interior do chocalho, José Galvão também a prende no interior da campainha, um processo intrincado que só os melhores conseguem fazer durar, afiança. «O chocalho, e o tempo que o badalo se aguenta preso na campainha, dependem das mãos do artesão. Fiz um que durou 15 anos preso na coleira de uma vaca. O dono veio cá para que o substituísse, pois nunca chegou a cair», diz, com orgulho. José Galvão acredita ser já o único da região que ainda se dedica a esta arte. «Já não conheço ninguém que continue a fazer isto, o que é uma pena», lamenta.
Apesar disso, aos 77 anos, o artesão afirma que já não faz tenções de continuar este trabalho por muitos mais anos. «Já me vão faltando as forças. Gostava muito de poder ensinar alguém a fazer isto, mas nunca encontrei ninguém que quisesse aprender», acrescenta, revelando que, apesar da idade, a vontade de experimentar perdura. A última peça que produziu, uma espécie de espátula quadrada de madeira com a ponta achatada, foi criada para «se poder virar o peixe na frigideira», explica José Galvão. Apesar do cansaço e da idade que vai avançando, o engenho deste criador insiste em mostrar novas possibilidades para utensílios feitos em madeira, continuando a perpetuar a sua obra na parede da pequena oficina.

Sobre o autor

Sofia Craveiro

Leave a Reply