“We face the path of time”: A Chama Inapagável do Grunge

Escrito por Pedro Fonseca

“A relação do Homem com o tempo seria, em última instância, uma oportunidade de expressão do “eu” profundo, uma manifestação autêntica dos nossos sentimentos mais genuínos.”

A relação do Homem com o tempo nunca foi pacífica. Somos seres perecíveis e temos a perfeita noção disso. Mas, como as sociedades humanas possuem memória e história, também sabemos que a morte não tem de significar necessariamente o nosso desaparecimento completo do mundo dos vivos.
“A Ilíada” de Homero, um dos pilares fundadores da cultura ocidental, tem como personagem principal Aquiles, o guerreiro destemido que aceitou participar numa guerra de onde saberia que não regressaria com vida, para que os seus feitos heroicos fossem recordados pelas gerações vindouras até ao fim dos tempos. A opção de Aquiles cristalizou o estádio mais aproximado da imortalidade a que os seres humanos podem aspirar.
Apesar da sua dimensão apelativa, nem todos se seduziram por essa imortalidade relativa que o tempo pode oferecer. O poeta francês Charles Baudelaire, por exemplo, apelava mesmo à fuga da condição de escravo-mártir do tempo através de todas as opções de embriaguez disponíveis: «Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes!».
Os finais da década de 1980 e inícios da década de 1990 foram o palco da célebre cena musical de Seattle, conhecida por “Grunge”, que se globalizou nos anos subsequentes e que ainda hoje tem uma influência sociocultural profunda nos países ocidentais. Indiferentes à obsessão de Aquiles e à preocupação de Baudelaire, os vocalistas e principais compositores das quatro grandes bandas “Grunge” acrescentariam uma nova dimensão à relação do Homem com o tempo: a genuinidade. A relação do Homem com o tempo seria, em última instância, uma oportunidade de expressão do “eu” profundo, uma manifestação autêntica dos nossos sentimentos mais genuínos.
Contrastando com o perfil extravagante das bandas de Hard Rock e de Heavy Metal da época, Chris Cornell (Soundgarden), Eddie Vedder (Pearl Jam), Kurt Cobain (Nirvana) e Layne Staley (Alice in Chains) subiam ao palco vestidos com as mesmas roupas do seu dia-a-dia e davam voz e música a momentos de profunda introspeção. A raiva de proveniência desconhecida e alvo indeterminado de Cobain está na raiz do som explosivo dos Nirvana, como a solidão e o sentimento de aproximação da morte estão na origem do sonoro denso e fantasmagórico dos Alice in Chains. Todos eles trouxeram uma genuinidade inédita ao mundo da música. Uma genuinidade que os respetivos génios musicais conseguiram dimensionar muito para além das fronteiras da música.
Dos quatro nomes maiores do “Grunge”, só Eddie Vedder permanece entre nós. Foi precisamente após a morte de Cobain, em 1994, que a mundialização do “Grunge” conheceu o seu auge. Rapazes e raparigas vestindo da mesma forma (sapatilhas All Star ou botas Doc Martens, calças de ganga, t-shirt e camisa de flanela), com cabelos comprimidos a tapar parcialmente a face e a ouvir um tipo de rock que era menos veloz que o punk, menos pesado que o metal, mais melódico do que o pop e com letras tão profundas e sentimentais como a poesia.
Quando os amplificadores se desligaram chegaram surpresas memoráveis: Pearl Jam, Nirvana e Alice in Chains protagonizaram três dos melhores momentos da série “MTV Unplugged”, com os concertos das duas últimas bandas a serem unanimemente considerados dois dos melhores concertos acústicos de todos os tempos.
Certo dia, um sábio disse: «Há chamas que ardem mais depois de apagadas». A chama do “Grunge” foi uma delas.

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Pedro Fonseca

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