Vigia o que digo, não ligues ao que faço

O Governo quer monitorizar o discurso de ódio.

O Governo já monitoriza a utilização do sódio.

O Governo monitoriza de cima do pódio.

O Governo monitoriza porque pode-o.

O Governo monitoriza o cidadão, e lixa-o.

Quem lê estas crónicas semanais sabe que são compostas de discurso de ódio, nomeadamente contra quem habitualmente nos governa – e contra quem nos governa esporadicamente, também. Mas é facto conhecido pelos leitores desta coluna, e também pelos meus amigos, que não tenho nem uso redes sociais digitais. Portanto, como foi anunciada uma vigilância do discurso nas plataformas digitais, não em jornais de província, até o Governo me apanhar, continuarei a destilar ódio semanal contra tudo o que se pareça com progressismo, tentando, ao mesmo tempo, convencer os leitores de que o racismo, a desigualdade de género, a pandemia e a Lua Cheia não existem.

Se estivesse no Twitter ou no Instagram seria imediatamente caçado pelos radares governamentais. Com certeza que é por ódio ao vegetarianismo que me alimento de frangos assados, sandes de leitão e bifes de peru. É por ódio racista que os meus pais e os meus irmãos são brancos. É por ódio ao povo que leio Shakespeare e Cervantes. É por ódio às elites que vejo “reality shows”. É por ódio culturalista que defendo o primado da ciência. É por ódio à verdade que acredito em factos. E é definitivamente por ódio ao feminismo que tenho uma pilinha – ou na versão populista, um pirilau.

Espero que criticar as decisões e acções do Governo nas redes sociais passe a ser considerado ódio à Nação e ao Progresso. E que todos os cidadãos que não ponham um “like” nos “posts” do primeiro-ministro Costaline sejam chamados à liça. De que nos serve ter um Grande Líder se não for devidamente louvado? É evidente que quem não aplaude o timoneiro socialista tem o coração cheio de ódio e deve ser higienicamente vigiado.

Aconselho também o Governo a criar uma força policial especializada em identificar ironias, porque há alguns escribas que usam esse maléfico recurso estilístico, que consiste em escrever literalmente o contrário do que pretendem significar. Como é uma figura de estilo perigosa e difícil de reconhecer, o melhor é proibi-la. * O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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