A propósito do momento político que o país atravessa, com eleições, quedas de governo, formações de governo, debates, coligações, embirrações, promessas, com pressas, com comentadores a toda a hora nos estúdios de televisão, por Zoom, à porta do trabalho no Palácio de Belém, tenho conversado com alguns amigos especializados na ciência da política (e digo especializados não porque saibam tanto como Sebastião Bugalho, mas porque fizeram doutoramentos nesse campo do saber).
Como o leitor desta coluna é curioso – e utilizo o adjectivo nos dois sentidos, de o leitor ser uma pessoa interessada em obter informação, e de o leitor ser objecto da minha curiosidade, nomeadamente à questão, “mas por que razão alguém está a ler esta crónica?”. Que lesse, mesmo desinteressadamente, o Observatório de Ornitorrincos de há 20 anos ainda se compreendia, porque as referências ao emergente mundo do erotismo digital eram constantes, e sempre proporcionavam uns instantes de galhofa. As referências, não o erotismo digital. Mas como sempre, a pornografia acompanha a política, e já não são os debates na RTP ou os filmes na RTL que fazem as pessoas ficar em frente ao ecrã. Hoje – e citando o grande educador Arnaldo de Matos, «isto é tudo um clube de fãs» – a política e a pornografia vivem dos “gostos” e dos “seguidores”, e as grandes discussões dão-se em grupos privados do Telegram. Dizia eu, então, que o leitor é curioso, no sentido de ser um patusco que já leu mais de metade desta crónica sem ainda ter percebido do que vim aqui falar. E ainda é mais patusco e curioso se ainda achar que isso ainda vai acontecer.
Afinal, o que dizem os meus amigos, que estudaram longamente as instituições políticas, os sistemas de governo, os sistemas eleitorais, os comportamentos dos cidadãos? Reproduzo, para o leitor curioso, uma das últimas conversas.
“Gosto bastante de sandes de marmelada.”
“E com chouriço ainda é melhor. Quem me ensinou esta composição também lhe acrescentava manteiga.”
“Eu gosto muito de bolachas maria com queijo da Serra.”
“Eu nunca experimentei, mas sou muito tolerante com misturas na comida.”
Só quem não quer é que não entende o significado político desta conversa. Ou quem lê esta crónica apenas por ser curioso.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia