O que temos
Por mais bonita e majestosa que seja a casa haverá sempre uma sala, uma cozinha, quartos e um deles será o do interior. Dir-me-ão que é inevitável, que é uma questão de geografia.
O quarto do interior pode ser apenas e tão só utilizado para arrumos ou para qualquer eventualidade que, entretanto, vá surgindo. Mas o dono, sabendo isso, pode torná-lo bonito, resplandecente, como todos os outros. Para tanto é preciso ter vontade e adicionar os ingredientes necessários para tal. O quarto do interior será aquilo que quisermos que ele seja. Falamos então da sua geografia e de todas as suas potencialidades.
Somos detentores do território da Serra da Estrela, hoje Geoparque da UNESCO. Temos a maior bacia hidrográfica do país: rio Mondego, rio Zêzere a desaguar no Tejo, Côa a desaguar no Douro (metade do país bebe a nossa água). A serra de Malcata, a da Marofa, o ecossistema do rio Águeda/Douro, as gravuras rupestres do Côa, também elas classificadas património mundial, as nossas aldeias históricas, pelourinhos, calçadas romanas, monumentos megalíticos, castelos: Almeida, Castelo Rodrigo, Celorico da Beira, Trancoso, Marialva, Sabugal, Sortelha, Castelo Mendo, Vilar Maior, Linhares, Jarmelo. A principal fronteira terrestre. A produção do vinho do Porto. Os tintos e brancos do Douro. Grande parte da produção do Dão. O pequeno e resistente setor têxtil. O queijo de ovelha, o boi jarmelista, a ovelha bordeleira, o cão da serra, a fauna e flora serrana, o mel, azeite, amêndoa, o termalismo em Manteigas, Mêda, Sabugal, Aguiar da Beira. Almeida. O artesanato. As praias fluviais. A presença judaica na região. As sinagogas. A UBI, o IPG. A cereja, a ginja. A gastronomia Beirã. As duas linhas de caminho-de-ferro. As duas autoestradas. As suas gentes:
Carvalho Rodrigues, Almeida Santos, Sacadura Cabral, Virgílio Ferreira, Veiga Simão, Eduardo Lourenço, José Alberto Reis, Dinis da Fonseca, João Gomes, Herculano Pires, Vilhena de Carvalho, Mário Canotilho, José Pinto Peixoto, Avelãs Nunes, José Rabaça, Esperança Pina, Abel Manta, Patrício Gouveia, Pinto Balsemão, Avelino Cunhal, Menano do Amaral, Costa Cabral, Odete Santos, Pinharanda Gomes, Castro Guerra, Lopo de Carvalho, Monteiro da Fonseca, César Carvalho, Adriano Vasco Rodrigues, Botto Machado, João de Almeida, Dias Coelho, Augusto Gil, Afonso Costa, Beatriz Carolina Ângelo.
E estes apenas alguns beirões, de entre tantos, que podem figurar no enorme livro de registos.
A Guarda já foi o centro. Reuniu todas as condições para se constituir na região da Beira Serra, mas assim não entendeu Oliveira Salazar.
Realidade
Segundo o anuário de 1958, o distrito da Guarda tinha 307.000 habitantes. Hoje cerca de 150.000. Aldeias desertificadas, vilas e cidades com pequenos avanços e recuos populacionais. Nos anos 60 e 70, o regime de Salazar e Caetano promoveu a saída de milhares para o estrangeiro. Após o 25 de Abril foi preciso fazer tudo: estradas, saneamento básico, eletrificações. O investimento e criação de emprego passou para segundo plano. A cidade da saúde foi a única capital de distrito sem um hospital novo. Na tentativa de deitar areia para os nossos olhos brindaram-nos coim dois remendos.
O que fazer
O distrito da Guarda, aliás como todo o interior deveria ser considerado uma zona de exceção. Impostos menos de metade. Orçamento de Estado com reforço significativo. Eletricidade, bem como todos os serviços básicos a metade. As ex-SCUT à borla. Criação de incentivos ao investimento como sejam a venda de terrenos a preços simbólicos para implantação de indústrias (não poluentes). Obrigações das sedes sociais sediadas no interior pagarem aqui os seus impostos. Economia digital. Enfim, vontade política para a criação de um verdadeiro pacto de estabilidade e crescimento que crie riqueza, logo fixação de população, para que o desenvolvimento do interior não seja, apenas e tão só, um mero argumento que de tanto se repetir passe a ser verdade, num exercício de retórica onde são empregues megalómanas figuras de estilo e onde os jogos palacianos, a mentalidade de o puxar cada um per si, a partidarite crónica, façam com que alguns intervenientes, habituados a jogar em diversos tabuleiros se coloquem em bicos de pés pensando que tudo isto os pode catapultar para outros e novos voos.
Estou em crer, se houver vontade, a Guarda não ficará refém da História nem tão pouco assumirá o papel ingrato de peregrino solitário ou mesmo de mensageiro de uma qualquer desgraça anunciada.
Vai sendo tempo de passar das palavras aos atos.