Valorização do território

A maior aposta de uma sociedade, de um país, de um território tem de passar pela valorização dos seus recursos – e desde logo, por três eixos fundamentais: a valorização das pessoas, do território e do conhecimento. Infelizmente, a maioria das vezes esse eixo não é considerado e as políticas e opções contrariam aquele que deveria ser o maior desiderato dos governantes, das instituições, do poder local e dos dirigentes locais.
António Ribeiro Sanches (nasceu em 1699 em Penamacor, judeu, um dos primeiro enciclopedistas, foi médico na Guarda, fugiu à Inquisição exilando-se na Rússia onde foi médico da czarina Anna Ivanovna e nomeado em 1739 membro da Academia de Ciências de São Petersburgo e pouco depois da Academia de Ciências de Paris, cidade onde viria a falecer em 1783), como muito bem recordou em recente crónica no “Público” Rui Tavares, escreveu nas “Cartas sobre a Educação da Mocidade”, em 1760, que o problema maior de Portugal se resumia essencialmente a um dilema: escolher entre a mão-de-obra barata ou apostar numa economia de valor acrescentado. Se Ribeiro Sanches no século XVIII escrevia que enquanto Portugal aproveitava os recursos naturais das colónias e o trabalho escravo e barato, os demais países europeus escolhiam um caminho muito diferente e de longo prazo, com mais educação e a produzir com valor acrescentado. O desiderato continua o mesmo. Portugal não pode competir com os países de mão-de-obra barata e a economia regional só pode desenvolver-se se for competitiva e sustentável. Portugal só pode convergir com a Europa valorizando o trabalho e valorizando o conhecimento. Felizmente, passados os anos de ajustamento, e com uma geração perdida, o caminho é o da valorização das pessoas e do conhecimento.
Porém, tal como no século XVIII, em que Portugal comprava com o ouro do Brasil os produtos manufaturados mais complexos, mais intensivos em conhecimento e tecnologia, continuamos hoje a não valorizar o território. Enquanto defendemos maiores apoios europeus para os territórios periféricos, para a coesão europeia, vemos o quanto é difícil atrair investimento público para o interior. Pior, vemos como o desenvolvimento regional fica sempre retido em frases de campanha, mas que na gestão do território no dia-a-dia as escolhas são sempre de preterir o que é “nosso”, o que é endógeno, o que se faz no interior.
E ainda pior, e de forma objetiva, tal como no séc. XVIII usávamos o ouro do Brasil para comprar os produtos de valor acrescentado, hoje as nossas instituições compram os produtos de valor acrescentado no litoral, e em especial em Lisboa e no Porto – das dezenas de exemplos que aqui poderia deixar veja-se um, publicado no dia 25 de março no base.gov: “Aquisição de Serviços para a assessoria de comunicação para ações de promoção turística”, pela Comunidade Intermunicipal Beiras e Serra da Estrela (CIMBSE), à empresa Afternoon Memories, de Lisboa, pelo valor de 36.531 euros (29.700 euros mais IVA). Ou seja, a CIMBSE que supostamente existe, também, para promover o desenvolvimento económico dos concelhos integrantes, para contribuir para a fixação de empresas e pessoas na região, para a valorização do território, das pessoas e do conhecimento, vai adquirir a uma empresa de Lisboa uma assessoria de comunicação, tão-só, de promoção turística, «À descoberta da Serra da Estrela» – poderá dizer-se que na região não há empresas capazes de fazer tão relevante trabalho, mas há, e precisam de contratos como este para poderem sobreviver e crescer e contratar pessoas da região, para poderem valorizar os seus recursos humanos e contrariar a fuga dos melhores… Se as instituições da região só contratam as empresas locais de construção civil, ou quase, como se pode ver pelas adjudicações feitas, naturalmente que não é possível haver empresas de “ponta” na região – e é assim há dezenas de anos com os resultados que todos conhecemos. Se contratar as tais empresas excelentes de Lisboa em detrimento das locais trouxesse resultados acrescidos, há muito que o interior teria sido desencravado e não teríamos uma sangria cada vez maior de pessoas e em especial das pessoas com conhecimento. O deslumbramento dos nossos dirigentes por aquilo que vem de fora é pérfido e arrasador do nosso futuro coletivo. É vergonhoso!

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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