Vacinar ou não

Escrito por António Ferreira

«Como em tudo o que é novo, há demasiadas variáveis para termos agora um veredicto seguro. O tempo dirá»

Dizem os jornais que mais de um terço dos portugueses tem intenções de não se vacinar contra a Covid-19. Se for verdade, arriscamos não obter a pretendida imunidade de grupo e perdemos a possibilidade de erradicar a doença ou, pelo menos, controlá-la.

As razões dos que se não querem vacinar são muitas e não são de agora. A primeira grande objeção é a bandeira inicial dos “anti-vaxxers” (os que são contra as vacinas): segundo um estudo, há muito desacreditado, haveria a ligação entre a toma de uma vacina e o surgimento de sintomas do espectro autista. O autor desse estudo veio a retratar-se mas o mal estava feito e não tardou a amplificar-se com recurso a mais algumas falácias, por exemplo procurando autistas entre os vacinados. É claro que se passou por cima da relação causa-efeito e da identificação concreta do mecanismo mas, como se sabe, existe há muito o hábito de não deixar os factos intrometer-se numa boa teoria. Foi por causa desta má ciência que doenças como o sarampo voltaram a aparecer e a matar.

Outra razão, mais respeitável, consiste na pressa com que as vacinas foram apresentadas, numa corrida entre empresas farmacêuticas em que muitos dos prazos e etapas foram encurtados ou eliminados. Nos primeiros testes dois dos voluntários, com historial de alergias graves, entraram em choque anafilático, “confirmando” as previsões pessimistas de quem já tinha os preconceitos antes dos resultados. Mais tarde, como nos EUA, as entidades reguladoras foram obrigadas a uma aprovação de emergência que possibilitasse o início mais rápido da vacinação. É natural por isso que haja desconfiança, agravada pela circunstância de muitos médicos dizerem que não confiam na vacina, seja a da Pfizer, seja outra, e que não irão também tomá-la. Não ajudou também o entusiasmo com que os mercados de capitais acolheram a notícia da taxa de sucesso das várias vacinas, significando que tudo se resumiria a ganhos colossais pelas farmacêuticas e os seus anúncios de taxas de sucesso inéditas a uma bem-sucedida operação de propaganda.

Do lado dos otimistas há quem note ter uma situação tão extrema como a pandemia obrigado a uma evolução científica também extraordinária e que se conseguiu a façanha de produzir vacinas e começar a administrá-las em menos de um ano, quando eram necessários até aqui muitos anos, simplesmente pela união de esforços entre cientistas de todo o mundo. Notam também que as taxas de sucesso muito altas, mais altas do que noutras doenças, são credíveis pelas novas técnicas envolvidas e que podem anunciar importantes evoluções nos anos que se aproximam.

Em tudo isto há as habituais distorções da perceção, muito mais evidentes quando a política ou as superstições se permitem entrar pelos caminhos da ciência e quando, num problema que nos ameaça a todos, nos achamos todos especialistas no assunto.

Como em tudo o que é novo, há demasiadas variáveis para termos agora um veredicto seguro. O tempo dirá. De uma coisa tenho mesmo assim a certeza: é preferível arriscar nas incertezas da vacina do que nas de uma doença que já matou ou incapacitou milhões.

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António Ferreira

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