Vacinação ou indignação?

Escrito por Carlos Peixoto

«Sem Governo, sem Presidente da República, sem Parlamento e sem tribunais (cujos titulares têm sido poupados à fúria que por aí grassa!), o país paralisa e fica desregrado e inabitável»

Vou dizer o que penso sem pensar nas críticas, nos maus olhados e nas divergências, das mais fundadas às mais cavernícolas. Vem isto a propósito da vacinação privilegiada dos políticos e da renúncia de alguns à toma da vacina.

Sou dos que, por ora, consta da listagem para ser vacinado. Não estou lá por oportunismo, por egoísmo, por insensibilidade alheia ou por alguém achar que tenho de passar à frente dos outros. Obviamente que não tenho. Era só o que faltava. Se puder, abdico dela imediatamente a favor de quem mais precisa de a receber. Não tenho idade e julgo não ter fatores de risco que justifiquem qualquer prevalência. Nesta perspetiva, compreendo, pois, a decisão daqueles que já declararam prescindir da vacina com o argumento de que enquanto houver um cidadão de um grupo de risco a necessitar dela deve ser esse o prioritário. Nada mais humano e carregado de altruísmo, de probidade ética e de retidão moral.

A questão, porém, tem uma outra dimensão que deve ser equacionada. Sem Governo, sem Presidente da República, sem Parlamento e sem tribunais (cujos titulares têm sido poupados à fúria que por aí grassa!), o país paralisa e fica desregrado e inabitável. Logo, os titulares de órgãos de soberania que sejam indispensáveis ao seu funcionamento – e só os indispensáveis, não os restantes! – têm o dever absoluto de se manterem protegidos. Não está na sua disponibilidade vacinarem-se ou não. Não é um direito ou uma prerrogativa que possam usar como lhes apetece. É um dever irrenunciável e indeclinável. Se exercem as suas funções não por opção, mas por obrigação legal, pois foram indigitados para elas, estão forçados a fazê-lo sem contaminar os outros e sem por em risco quem não esteja vacinado. Trata-se de um imperativo ético, de saúde pública e até patriótico.

Sou dos que pertencem à comissão permanente da Assembleia da República, uma espécie de “piquete” que assegura o seu regular e permanente funcionamento, mesmo em férias. Se o número de deputados exigido para a obtenção do respetivo quórum ficar infetado com Covid-19 ou estiver em isolamento profilático, coisa que pode acontecer de um dia para o outro, é essa comissão que entra em ação. Não pode recusar-se a fazê-lo. Se assim é, é também evidente que os seus membros terão de estar aptos a desempenhar as suas obrigações de representação do povo, e a fazê-lo sem colocar em risco a saúde e a vida dos demais trabalhadores da instituição.

Dirão que os deputados, eleitos em listas, podem ser substituídos. É verdade. Mas esta substituição, que só pode ser feita em caso de doença por um período mínimo de 30 dias (menos não serve…), obedece a um procedimento burocrático cuja conclusão é dificilmente compatível com a tomada de algumas decisões de emergência para o país. No que me diz respeito, se for substituído nessa comissão e me tornar dispensável para as “urgências”, ou, mais que isso, se vier a constatar que este órgão deixará, por qualquer razão, de ter condições para integrar os critérios de prioridade, dispensarei a vacina no segundo seguinte. Quem quiser abordar a questão sob este prisma entenderá, decerto, o que aqui enuncio. Quem preferir tratar os políticos como os bombos da festa ou como uma associação de malfeitores, não será nunca vencido nem convencido.

 

Carlos Peixoto
Deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e antigo líder da Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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