Uma realidade com consequências

Escrito por Diogo Cabrita

«De facto, a grande novidade é termos centenas de pessoas a serem ventiladas pela mesma doença ao mesmo tempo»

O Hospital dos Covões é o único hospital só Covid. É o covidário nacional e carece de estudo, aprendizagem, fazer trabalhos para perceber, orientar o futuro e preparar um eventual agravamento, ou uma estirpe surpresa, ou uma mudança de alvo do vírus. Em 23/1, o covidário tinha na sua Urgência 95 doentes, sendo que 41 estavam ali há mais de 24 horas e 11 há mais de 48 horas. Isto revela uma dificuldade em drenar as situações que são a prioridade da organização. Dos 41 prolongados ou residentes (mais de 24 horas), 21 tinham mais de 79 anos e, destes, 8 mais de 88 anos. Dezoito eram institucionalizados com patologias graves e com equilíbrio instável, sendo um com 40 anos e dois nos 50 anos. Do total dos 95 doentes em Urgência, sete tinham menos de 50 anos e destes quatro sem qualquer história de doença prévia. Estavam a agudizar das suas pneumonias com teste Covid positivo. Temos de perceber porque alguns desenvolvem síndrome de dificuldade respiratória do adulto. Temos de perceber porque outros se libertam da doença com facilidade. Temos de conhecer as estirpes envolvidas. O covidário tem de ser também um polo de ciência e investigação.

A comorbilidade mais associada foi hipertensão, seguido de diabetes e depois obesidade, doença psiquiátrica grave e ainda sequelas de AVC. Os fármacos mais prevalentes como rotina diária foram pantoprazol, furosemida, amlodipina, ácido fólico, lorazepam, trazadona, tansulosina. Do total de 95 doentes temos dois com 30 anos, com 50 anos estão nove. Isto significa que há vários doentes na Urgência dos Covões que dão trabalho para estabilizar e controlar e otimizar, mas não são centenas de doentes.

A grande falha é mesmo no plano sequenciador dos cuidados. Onde internar, quem internar, porque internar. Portanto, está a falhar o encaminhamento ou em linguagem popular o arrumo das soluções. Aqui se percebe as filas de ambulâncias. Os doentes não podem permanecer em Urgência e sobretudo numa em que os condicionalismos são limitadores de espaço. Por cada um que demora a encaminhar há uma ambulância que não liberta o seu ocupante. A consequência mais demolidora é se a afluência aumentar e os condicionalismos se mantiverem iguais. Coimbra devia ter uma solução pronta para libertar camas nos Covões e ter já otimizado instituições para a resposta. Portimão está a ensinar o caminho. Falei no Hospital Militar, em Cantanhede, no Rovisco Pais, mas pode ser um grande pavilhão, ou uma arena, mas é preciso rever também os critérios com que alguns lançam os seus institucionalizados para se livrarem da positividade. O futuro do agravamento obriga a alterar critérios, definir precocidade de altas, obrigar as famílias a aceitar os seus familiares.

Também devo esclarecer os incautos que nunca fui negacionista, nunca disse que não havia uma doença nova, nunca me ocorreu que era uma mentira e nunca deixei de estar preocupado, sobretudo se o vírus muda de estratégia. Afirmo que há um vírus muito dirigido aos mais fracos, e pouco virulento com gente saudável, isto não invalida que alguns vigorosos não fiquem doentes e lembrar que 1% de 10 milhões são muitos milhares.

De facto, a grande novidade é termos centenas de pessoas a serem ventiladas pela mesma doença ao mesmo tempo. Isto não se pode negar! Nunca houve tantas pneumonias no mesmo dia nos ventiladores, e vai haver mais. Mas não são milhares de pessoas, são muitas, com a mesma coisa, ao mesmo tempo. A mentira do orgástico José Alberto Carvalho é a associação da situação a um caminho: infeção, doença, UCI, morte. Isto felizmente é falso. A larga maioria dos doentes que passam por UCI ou careceram de apoio ventilatório supra glótico foram para casa vivos. O problema é se precisarem de ventilação 1.000 pessoas e só pudermos dar 800 ventiladores por questões de recursos técnicos e humanos. Note-se que sempre houve critérios de ventilação assistida. Nunca se ventilaram pessoas em fim de vida, situações de humanos sem relação com o mundo, anquilosados por sequelas graves de AVC. Também não se lhes faz hemodiálise. Os recursos todos devem ser usados com critérios. Podemos aumentar esta capacidade? Infelizmente os recursos são sempre limitados e estamos perto da capacidade máxima. Esta previsão existe para dentro de três semanas. As outras discussões em curso são interessantes: escolas fechadas ou não, confinamento total ou não, votar ou não. Deixo para outro texto.

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Diogo Cabrita

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