A cidade da Guarda irá receber, em junho de 2019, a próxima Cimeira Luso-Espanhola. Um encontro que nos suscita, neste último apontamento do ano, a evocação da cimeira realizada na cidade mais alta de Portugal em 1976.
A Cimeira entre os ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e Espanha, respetivamente Melo Antunes e José Maria Areílza, colocou a Guarda no centro das atenções informativas, nacionais e internacionais, pois eram delicadas, então, as relações luso-espanholas após a destruição da Embaixada em Lisboa, ocorrida em 1975.
Deste importante encontro deu conta o jornal “A Guarda” (este semanário e a Rádio Altitude eram, recorde-se, os únicos órgãos de informação existentes na cidade), destacando-o na sua primeira página (edição de 20 de fevereiro de 1976) e descrevendo o ambiente que se vivia em 12 de fevereiro de 1976.
«(…) Manhã de sol claro e vento muito frio. O ministro espanhol foi aguardado em Vilar Formoso pelo ministro português. Eram 9,30 horas. Os dois diplomatas viajaram até à Guarda num helicóptero português que sobrevoou a cidade para logo em seguida aterrar na parada do R.I. 12. Os jornalistas não foram autorizados a entrar no quartel, aguardando à porta de armas onde estava montado um dispositivo de segurança, a saída das comitivas.
O encontro na Guarda fora mantido secreto até à meia-noite anterior. Até à tarde da véspera, nas duas capitais ibéricas constava que a reunião teria lugar em Estremoz. A Guarda escolhida para palco deste encontro, após os acontecimentos que toldaram as relações luso-espanholas, situa-se assim no ponto de partida de uma nova era de convivência peninsular. Já se fala, e com toda a razão, no “espírito da Guarda”. Afinal é desde há muito o “espírito” que domina as relações entre guardenses e espanhóis; espírito de concórdia e entendimento, de amizade, de compreensão mútua. A Guarda, por estas razões, deve ter sido intencionalmente escolhida para este encontro, aliás muito contestado no país vizinho, tanto pelas direitas como pelas esquerdas».
De acordo com o comunicado conjunto, divulgado após esta cimeira, «os dois ministros assinaram um acordo sobre a delimitação da plataforma continental, um acordo sobre a delimitação do mar territorial e da zona contínua, e, ainda, um Protocolo adicionado ao acordo sobre o aproveitamento do troço internacional do Rio Minho.
No decurso das conversações caracterizadas pelo espírito de amizade e boa vizinhança que os dois governos desejam dar às suas relações, foi passado em revista o estado das relações culturais entre os dois países (…). No domínio das questões fronteiriças, examinou-se, de modo especial o projeto de construção de uma ponte internacional sobre o Rio Guadiana entre Vila Real de Santo António e Ayamonte (…).
Exprimiu-se o desejo mútuo de uma maior colaboração técnica e administrativa em matéria aduaneira, com o objectivo de facilitar o tráfego internacional entre os dois países (…)».
Como observaria César Oliveira, «o espírito da Guarda mais não foi do que o esforço luso-espanhol para ultrapassar as tensões e a carga de potenciais conflitos entre os dois Estados, na segurança de que em Espanha parecia ser irreversível o caminho para a democracia e de que em Portugal as tentações esquerdistas e radicais estavam duradouramente afastadas».
A Guarda ficou, desta maneira, como um marco de referência no processo de normalização das relações luso-espanholas e marcou, indubitavelmente, o segundo ano do pós-25 de Abril.
Espera-se, e deseja-se, que o próximo encontro luso-espanhol deixe também marcas positivas e novos caminhos de cooperação que se traduzam na valorização e desenvolvimento destes territórios do interior.