Uma luz ao fundo do túnel

«a economia foi destruída, milhares de portugueses morreram, centenas de milhares de pessoas foram infetadas, e muitas terão mazelas, mas ninguém tem culpa nem será responsabilizado pela forma como a gestão da crise foi feita»

Sem surpresa, Espanha prolongou até 1 de março os controlos na fronteira com Portugal, ou seja, vai manter a fronteira fechada a Portugal. Claro que, do lado cá, as autoridades informam que o encerramento é o resultado de negociações entre os dois países. E é verdade, porém, em Espanha, o governo de Pedro Sanchez não se coíbe de afirmar categoricamente que foram os espanhóis a impor a reposição de fronteiras pelo descontrolo da pandemia no último mês em Portugal.

Se as relações sociais e económicas, em especial nas zonas de fronteira (Vilar Formoso fica numa situação dramática sem a atividade e a vida da fronteira), são o primeiro sintoma e o mais relevante deste isolamento promovido pelos nossos vizinhos, a verdade é que surge como consequência da ineptidão portuguesa a lidar com esta fase do Covid-19. Depois do medo ter encerrado os portugueses em casa na primeira fase, limitando assim a propagação do vírus, o governo português confiou na sorte. Não soube prever, nem antecipar o crescimento exponencial de contágios e Portugal passou a ser o líder mundial de infetados e mortes por Covid-19. A confiança de que tudo iria «ficar bem», mesmo sem tomar medidas drásticas, teve consequências trágicas para milhares de pessoas. Como todos notámos, poucas restrições no Natal, para não se incomodar as famílias, uma passagem de ano com ligeiro confinamento, porque o país do milagre na primeira fase saberia comportar-se, e eleições presidenciais que deveriam ter sido adiadas, levaram ao descalabro. No início do ano foi defendido que o regresso das crianças à escola devia ser adiado, mas António Costa, na sua teimosia habitual, manteve as escolas abertas que depois teve de encerrar perante a pressão dos números e da tragédia.

Depois de meses de desacordo com os hospitais privados, o governo e a ministra da Saúde deixaram cair os seus dogmas perante a triste realidade que vivemos e recorreram às instalações de saúde privada para responder às necessidades sanitárias – mas os portugueses não podem nem devem esquecer que Marta Temido só o fez por necessidade e não o fez antes por questões ideológicas.

O país da cunha e do jeitinho, anquilosado nas suas regras e formalismos, que não permite sequer que médicos reformados possam ajudar em tempos de pandemia, que dificulta os médicos estrangeiros que querem vir trabalhar para o país, corporativo e de castas, tem de receber ajuda estrangeira para evitar o colapso do SNS. A chegada de oito médicos alemães para ajudar no tratamento de doentes em cuidados intensivos, além de outros meios e equipamentos disponibilizados, é positiva e não nos deve envergonhar – não temos de estar “orgulhosamente sós” – mas confirma as más opções na gestão da crise. E mina a credibilidade do país: depois de anos a recuperar da imagem de estado falido que teve de ser resgatado pela troika, com um ex-primeiro-ministro acusado de corrupção e todos os processos, de Sócrates à PT, do Espírito Santo ao antigo ministro Manuel Pinho, tudo processo que irão prescrever por inabilidade, lentidão e incapacidade da Justiça portuguesa, Portugal não precisava de evidenciar mais uma vez a sua velha incapacidade para se governar.

Felizmente, o confinamento atual vai reduzir o número de contágios e a vacinação vai permitir a imunização de cada vez mais portugueses (e o salve-se quem puder da vacinação indevida será esquecido). Entretanto, a economia foi destruída, milhares de portugueses morreram, centenas de milhares de pessoas foram infetadas, e muitas terão mazelas, mas ninguém tem culpa nem será responsabilizado pela forma como a gestão da crise foi feita. E no verão tudo será relativizado porque ninguém pode garantir que outro governo faria melhor e, como sempre, seremos levianos na análise…

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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