Uma fotografia e mil palavras

Escrito por Francisco Manso

“Costuma dizer-se que uma fotografia vale mais que mil palavras, será verdade, mas, para mim, nada melhor que juntá-las.”

Costuma dizer-se que uma fotografia vale mais que mil palavras, será verdade, mas, para mim, nada melhor que juntá-las.
A fotografia é, simplesmente, maravilhosa!
O que mais sobressai, e quase nos arrasa os olhos, é aquele mar de gente, em plena promiscuidade entre homens e animais.
Traz-nos saudades, quase inveja, remete-nos para uma terra dinâmica, cheia de gente e de vida. Gente vinda das aldeias, então ainda com escolas, também elas, cheias de gente e de vida.
Mas é, também, uma fonte de informação preciosa.
O momento retratado corresponde, a meu ver, a um dia de feira de S. João, entre 1930-1940, antecedendo anos de grande projectão urbanística da cidade. António Correia, autor da foto, colocou-se em frente à multidão, que provavelmente também o envolvia.

1. Largo Da Boavista

1. Largo Da Boavista

O Club Egitaniense

Lá ao fundo, como horizonte, o pretensioso, elitista e seleto Club Egitaniense. Por ali passaram gerações de influentes da região, tendo ficado famosas as “soirées” dançantes que ali se realizaram. Mas de nada lhe valeu, acabou, como o mais dos humildes edifícios, vítima do progresso, e deitado abaixo. Naquele espaço nasceu o atual edifício da Caixa Geral de Depósitos.

A Praça do Mercado

Do lado esquerdo, a todo o correr da foto, encontra-se a Praça do Mercado, inaugurada em 1900, e que na altura tanto encheu de orgulho os egitanienses. Repare-se na foto 2, pouco depois da sua abertura, e ainda sem as famosas proteções metálicas.

O Palácio da Justiça

Lá ao fundo, mas do lado direito, nuns terrenos que a Câmara aí possuía, veio a ser construído o Palácio da Justiça. Foi inaugurado no dia 27 de abril de 1953, no meio de uma tempestade terrível. Mas, mesmo assim, foi uma multidão que assistiu às cerimónias. Já para o final, era tal a força do vento e tanta a chuva, que fugiu tudo em debandada. Primeiro a multidão, depois a Mocidade Portuguesa, e a seguir até a força do Batalhão de Caçadores 7, aquartelado na cidade. Só alguns corajosos e a Legião Portuguesa teriam resistido.

2. Largo Da Boavista

2. Largo Da Boavista

O Palácio das Corporações e Previdência

Do lado esquerdo da foto, em frente ao Palácio da Justiça, no espaço da Praça Municipal, vai nascer o Palácio das Coorporações. Estes dois edifícios, juntamente com o Hotel de Turismo, construídos quase em simultâneo, em magnífico granito branco da região, formam um conjunto arquitetónico sóbrio, mas elegante e de grande beleza, que muito dignificou aquele espaço.

Avenida Coronel Orlindo de Carvalho

Em 1966 morreu o coronel Orlindo de Carvalho, uma figura proeminente da cidade, muito ligada à construção do Hotel de Turismo. A Câmara Municipal decidiu homenageá-lo atribuindo o seu nome à artéria que na altura correspondia, mais ou menos, ao Largo da Boavista.
António Correia

O fotógrafo António Correia nasceu na Lousã, em 1900. Veio para a Guarda em busca de melhor saúde no Sanatório Sousa Martins, onde não só encontrou a cura como aprendeu a dominar, com arte e maestria, aquilo que ia vendo fazer nas revelações radiográficas aos doentes. Nunca mais deixou a Guarda. Aqui casou, aqui nasceu a sua filha, e aqui morreu, em 1957.

O Largo da Boavista

O Largo da Boavista, juntamente com o Campo de S. Francisco, que derrubados os muros do antigo convento, quase se confundiam, era uma zona pública para usufruto comum da comunidade. Ali se realizavam as feiras de S. Francisco e de S. João, e os mercados quinzenais e semanais. Era também ali que se realizavam os concursos de gado, e boa parte dos acontecimentos que envolvessem grandes multidões.
Foi ali, num velho animatógrafo, que fazia as delícias de garotos e adultos, que se viu pela primeira vez cinema na Guarda. Foi também ali que o futebol teve um “campo”, mesmo que provisório.
Como o topónimo sugere, era um lugar bem exposto, soalheiro, de largos horizontes e boas vistas. O Largo da Boavista, como memória coletiva, perdeu-se na erosão do tempo, e o mesmo aconteceu às suas boas vistas.

3. Largo Da Boavista

3. Largo Da Boavista

* Investigador da história local e regional

Sobre o autor

Francisco Manso

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