Uma Estrela que só brilha para os de cá

Escrito por Carlos Peixoto

“Há quem seja romântico e ache que estas questões vão ter mesmo respostas efetivas no terreno. E há outros (onde me incluo) que se arrepiam ao ler no jornal “Público”, de segunda-feira, a notícia de que «quase cinco anos depois do fogo, o Pinhal de Leiria mostra sinais de abandono». Pois é, se o Governo se comportou assim em zonas com algum peso político, imagine-se como estará a Serra da Estrela daqui a cinco anos!!!”

Os autarcas dos concelhos afetados pelos recentes incêndios que devastaram a Serra da Estrela reivindicaram do Governo a declaração da situação de calamidade, que é o nível mais grave de resposta pública a um desastre ou catástrofe previstas na Lei de Bases da Proteção Civil. Considerando a magnitude da tragédia, não podiam fazer outra coisa e devem ser felicitados por isso. O Governo, por sua vez, encurralado na sua incapacidade de prevenir esta e outras desgraças, por ausência de investimento na floresta e de um reiterado abandono do interior, fez o seu número e não tinha outro remédio. Numa coreografia ornamentada com sete ministros numa só reunião, porventura mais do que aqueles que no ano anterior visitaram toda a região nas diversas vertentes da governação, lá veio determinar a inventariação dos prejuízos e a realização de um procedimento que identifique as medidas destinadas a reparar os danos causados nas atividades económicas, habitats, habitações, infraestruturas e rede hidrográfica.
Dito assim parece tudo escorreito. Mas lidas ao pormenor as declarações de alguns desses sete magníficos fica a ideia que a preocupação que mais imperou – e que não é de somenos, diga-se, mas que é “externa” à região – foi mesmo garantir o acesso à água limpa por parte das populações de Lisboa e Coimbra, ambas abastecidas por barragens servidas por cursos de água oriundos do Parque Natural da Serra da Estrela. O Governo sabe que ou faz algo rapidamente ou nas primeiras chuvas a qualidade da água das barragens de Castelo de Bode e da Aguieira está em risco e quem abrir as torneiras naquelas duas cidades pode vir a receber água “queimada”. Posso enganar-me, mas quem apostar que é para esse eixo que será canalizada a grande maioria dos apoios e esforços, pode ganhar “a fava”.
Não quero com isto dizer que para quem nos governa a Serra da Estrela não valha por si, pelo parque de excelência que é, e por ser a maior e mais bela e majestática serra do país. Mas quando raramente se lembram que ela é vital para servir as zonas metropolitanas mais importantes do país já há quem lhe proclame juras de amor e a vista de gala. Só é pena que noutros contextos continue a ser o parente pobre de sempre, com um PIB dos mais baixos do país e com o Estado central a não querer torná-la mais atrativa e procurada, investindo, por exemplo, nos IC6, IC7 e IC37, que, de ano para ano, caem num esquecimento cada vez mais mortífero. Resta-nos agora esperar pelas medidas concretas que aquele poder de Lisboa vai anunciar para regenerar e reordenar a Serra e, acima de tudo, rezar para que a sua execução não seja atirada para uma época em que o Dr. António Costa já esteja ao fresco e que já nada disto seja com ele.
Voltando aos incêndios, já ninguém tem dúvidas que por mais graves que eles sejam, não provocam nenhuma hecatombe política em Portugal. Em Pedrogão e na zona Centro morreram 114 pessoas em 2017 e a área ardida foi brutal. Falharam os meios, falhou o comando, falhou o SIRESP, falhou o combate e falhou a posterior ajuda às vítimas, mas quem, pelos vistos, acertou foi o Governo, que continuou olimpicamente em funções e até absolutizou a sua maioria. O que está em causa, não é, pois, arranjar culpados, nem mesmo aqueles que em face da evidente falta de recursos no país para combater este incêndio da Serra da Estrela não pediram ajuda internacional, numa atitude irresponsável e incompetente. O que está em causa é que é preciso obter respostas rápidas para amanhã: Como vai o PNSE ser recuperado para que uma nova tragédia não volte a suceder? Que investimentos concretos vão ser feitos na prevenção dos incêndios? Que espécies de árvores vão ser replantadas? Qual a dimensão dos aceiros ou corta-fogos que vão ser feitos? Que meios suplementares de combate vão ser utilizados nos próximos anos? A estratégia no centro de operações vai estar confiada aos bombeiros ou a uma outra força de entre aquela confusa miríade de entidades que se entrecruzam sem se entenderem? Como e quando vão ser apoiadas as frágeis economias locais destes territórios?
Há quem seja romântico e ache que estas questões vão ter mesmo respostas efetivas no terreno. E há outros (onde me incluo) que se arrepiam ao ler no jornal “Público”, de segunda-feira, a notícia de que «quase cinco anos depois do fogo, o Pinhal de Leiria mostra sinais de abandono». Pois é, se o Governo se comportou assim em zonas com algum peso político, imagine-se como estará a Serra da Estrela daqui a cinco anos!!!

* Advogado, antigo deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e ex-líder da Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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