Uma Discussão Muito Fútil

Escrito por António Ferreira

“Para averiguar a fundo o que aconteceu e determinar se o ministro ou o primeiro-ministro merecem censura, era por isso preciso que a comissão de inquérito parlamentar tivesse acesso aos eventuais segredos de Estado ou à informação sensível que estavam em causa aquando do pedido de intervenção.”

Há uns dias, calhou-me ouvir parte do Fórum da TSF, dedicado mais uma vez aos casos da TAP e da intervenção do SIS. Um dos intervenientes, mostrando-se bastante agastado com o tempo que estava a ser dedicado ao tema, sugeriu que a imprensa também tinha culpa desse exagero. O moderador não perdeu tempo a dizer-lhe que a imprensa fazia apenas o seu trabalho e que no caso da TSF isso se traduzia em bom jornalismo. O ouvinte seguinte não gostou da opinião do outro e dedicou boa parte da sua intervenção a comparar a intervenção do SIS à das polícias políticas fascistas, sugerindo que poderíamos estar a caminho de uma gravíssima perda de liberdades.
Tudo isto porquê? Porque um agente do Serviço de Informações e Segurança se tinha dado ao trabalho de ir recuperar o computador que um assessor de João Galamba tinha levado consigo depois de ter sido exonerado. E isso é grave porquê (a recuperação do computador, não o seu furto ou roubo)? Porque o SIS não tem competências policiais. E quê?
Vejamos então as competências do SIS (art.º 33.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de fevereiro): «Cabe ao SIS, no âmbito das suas atribuições específicas, promover, por forma sistemática, a pesquisa, a análise e o processamento de notícias e a difusão e arquivo das informações produzidas». Isto é, a sua função é apenas a recolha e tratamento de informação. É um pouco, para a gravidade do caso, como se o computador tivesse sido recuperado por um inspector da Autoridade Tributária ou da Autoridade para as Condições do Trabalho.
É claro, então, que o SIS, sem competências policiais, não tinha de intervir no caso. Mas, repito, e quê? Se o fizer, não tendo competência para isso, não prevê a lei nenhuma sanção para quem dê a ordem, embora estejam previstas sanções para quem as executar. De acordo com o art. 7.º da Lei n.º 9/2007, «Os membros do Gabinete do Secretário-Geral e os funcionários e agentes do SIED, do SIS e das estruturas comuns não podem prevalecer-se da sua qualidade, posto ou função para praticar qualquer ação de natureza diversa da estabelecida institucionalmente». Se o fizerem sujeitam-se a ação disciplinar, mas é tudo. Se algum ministro, ou até o primeiro-ministro, pedir a intervenção do SIS para recuperar o tal computador, o serviço apenas tem de dizer que não, que o não irá fazer porque isso extravasa as suas competências e o ministro ignorante que tiver dado a ordem apenas terá de meter a viola no saco e telefonar para a PSP ou para a Polícia Judiciária.
Mas imaginemos, nem que seja por descargo de consciência, que até tinha havido razões para pedir a intervenção do SIS, por exemplo, porque no computador havia informação sensível para a segurança do Estado. Neste caso, o SIS, que está de acordo com a lei na dependência direta do primeiro-ministro, teria a pedido deste de recolher as informações necessárias e desencadear depois a intervenção das forças policiais (art.º 33.º, alínea d)).
Para averiguar a fundo o que aconteceu e determinar se o ministro ou o primeiro-ministro merecem censura, era por isso preciso que a comissão de inquérito parlamentar tivesse acesso aos eventuais segredos de Estado ou à informação sensível que estavam em causa aquando do pedido de intervenção. Só assim poderíamos ter a certeza absoluta da legalidade ou não da intervenção do SIS e de quem foi responsável por essa ilegalidade. Ora, como os documentos sujeitos a segredo de Estado não poderiam ser objecto do trabalho da Comissão de Inquérito (art.º 9.º da Lei n.º 6/94, de 07 de abril), nunca essa comissão poderia ir até ao fundo nessa questão e o seu trabalho estava condenado à partida.
Porquê então toda esta polémica? A resposta começa a ser evidente. Há um sector importante da nossa sociedade que não tem paciência para esperar mais três anos por eleições e precisa delas com urgência, e boa parte da nossa comunicação social tem a mesma agenda. Se não acreditam, apreciem os critérios jornalísticos de escolha dos temas do “Polígrafo SIC”, por exemplo, ou a forma como um assunto como o da intervenção do SIS foi amplificado ao ponto de parecerem secundários temas como a guerra, a inflação, a aproximação da época dos incêndios, a seca, o envelhecimento da população e tantas outras coisas em que a comunicação social não mostra interesse.

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António Ferreira

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