Não há volta a dar, estamos a viver a antecâmara de uma enorme crise económica. Resta saber se mais grave do que a crise financeira de 2007-08 (a que se juntou, na zona Euro, a posterior crise das dívidas soberanas), embora, lamentavelmente, tudo aponte para que sim.
É, portanto, determinante evitar que além de económica, a crise se torne também financeira, e, pior, de solidariedade europeia. Os acontecimentos recentes indicam que esse risco não é apenas real, mostram que já está a ganhar forma. As despesas vão disparar, as receitas minguar e a atividade económica não terá como não soçobrar. Daí até uma nova recessão será um passo. A Alemanha, o motor do euro, estima que o PIB germânico encolha 5%, mas o instituto Ifo, de Munique, admite já uma quebra superior a 20%. A dimensão da pancada vai depender, praticamente só, do tempo que a pandemia em curso levar até estar controlada e da capacidade de resposta conjunta europeia.
É bom recordar que a propagação do novo coronavírus surgiu num contexto de abrandamento económico e de potencial recessão em países como a Alemanha e a Itália. A UE lançou, entretanto, uma iniciativa para responder ao coronavírus no valor de 37 mil milhões de euros. Mas este não é dinheiro novo, estava alocado à política de coesão e será agora redirecionado. A medida é necessária, não há discussão, porém não deixará de representar menos dinheiro para outros investimentos estruturais, o que significa menos economia. Os 27 precisam desbloquear o processo relativo ao próximo orçamento de longo prazo da União (o que está em vigor termina no final de 2020) e, se necessário, antecipar verbas do futuro quadro, pois nesta fase é preciso dinheiro novo.
A Comissão Europeia começou por garantir toda a flexibilidade permitida pelas regras orçamentais inscritas no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) para logo acionar, pela primeira vez desde a criação do euro, a cláusula de exclusão da disciplina orçamental determinada pelo mesmo PEC. Os Estados-membros ficam assim autorizados a gastar, ou seja, a endividarem-se. Porém, a dívida de Portugal continua próxima de 120% do produto, o dobro do que determinam as regras, sendo que Itália e Grécia estão pior ainda. Todas as linhas de crédito avançadas, em particular direcionadas às PME, também se traduzem em mais endividamento. Até mesmo a flexibilização das regras das ajudas de Estado, anunciada por Bruxelas para proteger o mercado interno, obrigam a generalidade dos estados a contrair mais dívida.
No caminho correto, o Eurogrupo e a Comissão vão estudar formas de acionar o fundo de resgate do euro (MEE) enquanto mecanismo de resolução de crises. E a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, após acentuar, por inação anunciada, a subida dos juros das dívidas, em especial dos periféricos, emendou a mão e lançou uma bazuca de até 750 mil milhões para compra de ativos, sossegando, por agora, os mercados.
Mas sem mutualização da dívida, só os países mais ricos poderão responder em força, pois todos os outros, como Portugal, à mercê dos mercados e sem margem de endividamento, não poderão ir além de respostas contidas, o que agravará a dimensão da crise. A confirmar-se, tal cenário redunda invariavelmente no regresso da austeridade cega. A emissão conjunta de dívida (eurobonds) até foi novamente discutida, contudo os países de sempre (Holanda, Alemanha, etc) mantêm as reservas de sempre à “diabólica” união de transferências. A falta de solidariedade que tramou a Grécia e ficou perto de extinguir o euro não pode repetir-se. Sem um Plano Marshall à escala europeia, a maior crise de 2020 não será de saúde pública, mas social. Porque a economia também mata.