Todos sabemos que, embora também haja quem nunca chegue a descobrir para o que é que nasceu, a maioria das pessoas nasce com o desejo, muito concreto, de ser alguma coisa e desde as primeiras palavras e pensamentos que revelam essa sua vocação.
Ao senhor Pompílio, que desde muito cedo meteu na cabeça desempenhar papel diferente do que o de ser o manequim das próprias vestimentas, a que o votara a típica família de periferia, não bastou o aprumo – ou a inteligência – para alcançar uns títulos académicos e debitar umas pesporrências futebolísticas com que o puseram a preencher as horas mortas de um canal televisivo, teve de lhe acrescentar o dote tribunício de orador para continuar a tentar ser o que desde sempre ambicionara: ministro. Tanto quanto sabia do assunto, para alcançar os seus intentos, além de propagandear a sua imagem, teria de começar por se aproximar, o mais possível, do primeiro partido político que o acolhesse. Coisa que, depois do comentário assíduo nos ecrãs, até conseguiu com relativa facilidade e depressa o pôs a viver rodeado de deputados e potenciais ministros. O que, se bem que lhe conferisse algum estatuto, sempre que qualquer correligionário conseguia a nomeação que tanto ambicionava, acabaria por o fazer sentir-se humilhado. Por isso, depressa passou de deslumbrado a enfurecido e começou a desenvolver um ódio, nunca visto, à democracia.
Depois de se ter candidatado, sem sucesso, à presidência de uma Câmara, descompunha-se sempre, de gestos e voz, nos impropérios com que investia contra os democraticamente eleitos e nos insultos com que mimoseava os nomeados com que tropeçasse no seu caminho para, acabando por engolir em seco, concluir que, por muito difícil que se lhe apresentasse, alguma maneira haveria de arranjar para chegar a ministro.
A eleição falhada distanciara-o do protagonismo partidário. Naquele partido, dificilmente voltaria a ser considerado para alguma coisa, mas, sabia-o bem, nos outros tal hipótese era ainda menor.
Contudo, a sua frustração foi de tal monta e estridência que não passou despercebida a uns mercadores de areia que, vindos do lado de lá do oceano rumo ao centro do continente, calhou irem a passar. De imediato susteram a viagem para, enquanto lhe lustravam o ego e a figura, lhe impingirem a sua mercadoria. Coisa que, perante tão inescrupulosa personagem, depressa conseguiram. Evidentemente que, além de lhe fazerem um desconto, ainda precisaram de lhe oferecer o curso de encantador de bestas e o de vendedor de banha da cobra, mas, como evidenciava capacidade bastante para não precisarem de andar muito em cima dele, fizeram-no de boa vontade, acabando por lhe prometer também umas amostras gratuitas de cada uma das novas versões. O resultado foi o de, munida dos fundamentos, panfletários mais persuasivos para os seus potenciais eleitores, qual justiceira, salvadora da pátria, a frustração do senhor Pompílio nos surgir agora, porventura, mais perigosa do que nunca, porquanto o atual cenário político seja tão mais propenso a torná-lo ministeriável, quanto mais os casos judiciários relacionados com políticos se amontoarem no fluxo noticioso.
Não teremos maneira de saber se tudo isto andará relacionado com as amostras gratuitas das inovações mercadoras dos fornecedores de soluções antidemocracia, mas sabemos perfeitamente como o neutralizar e isso terá de nos bastar para, que mais não seja, acabar de vez com as ameaças à democracia, de que se revestem as consequências da frustração do senhor Pompílio.
Um partido nascido da frustração
“Todos sabemos que, embora também haja quem nunca chegue a descobrir para o que é que nasceu, a maioria das pessoas nasce com o desejo, muito concreto, de ser alguma coisa e desde as primeiras palavras e pensamentos que revelam essa sua vocação.”