Um país em suspenso

Como curiosidade, a disputa do espaço socialista deverá ser entre dois antigos deputados pela Guarda: António José Seguro e António Vitorino

Há um mês, projetavam-se os candidatos para as eleições autárquicas de setembro (ou outubro) e discutiam-se os nomes de putativos candidatos às presidenciais de 25 de janeiro do próximo ano. Mas tudo mudou durante um mês em que a vida política se deteriorou sobremaneira – foi um março aterrador para a democracia, as instituições e os partidos. A moção de confiança ao Governo foi rejeitada pelo Parlamento numa terça-feira, um ano e um dia depois das legislativas de 2024, com os partidos a preferirem voltar às urnas em vez de procurar consensos pelo país. As consequências são imprevisíveis. Segundo as sondagens, a AD poderá sair beneficiada e ganhar (a sigla poderá ser AD ou outra qualquer que represente o PSD e o CDS) – poderá ser a salvação política de Luís Montenegro. Mas, até lá, e mesmo percebendo o pragmatismo do eleitorado, que vai muito para além das questões da ética, o ruído será muito. Pedro Nuno Santos poderá ser o grande derrotado desta crise e no PS já há quem pense no dia seguinte, com Fernando Medina à cabeça.

Em nove meses teremos quatro eleições! Mas os ciclos políticos não deviam ser interrompidos, até porque o país precisa de muitas reformas que vão sendo adiadas e o bom ciclo económico e financeiro não pode ser desperdiçado. Portugal tem que aproveitar não apenas o PRR ou o 2030, tem de utilizar o crescimento para mudar o rumo social e económico do país, para combater a pobreza, salvar o SNS, resolver os problemas na habitação – o “1º Direito”, o direito a ter um teto –, e dar esperança aos jovens, para viverem no seu país. E promover a coesão territorial – com um choque fiscal e um plano de investimento público para os distritos verdadeiramente do interior profundo ou para concelhos a mais de 100 quilómetros do mar (nos distritos de Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco e Portalegre e o interior dos distritos de Évora e Beja). Ou seja, não cair no erro de incluir os designados concelhos de baixa densidade, que podem estar inclusive nos distritos de Lisboa ou Porto, com todas as oportunidades que isso implica, mas pensar nos territórios distantes, com assimetrias e atraso real e que precisam urgentemente de uma majoração e discriminação fiscal radical sem o que não será possível travar a desertificação.

Entretanto, e enquanto assistimos à apresentação dos candidatos à Assembleia da República, vemos como as candidaturas autárquicas ficam aparentemente em suspenso – localmente, os partidos vão ficando nervosos – e o tempo das presidenciais tem o seu próprio ritmo. Entre os candidatos já anunciados estão o conselheiro de Estado e antigo ministro e líder do PSD, Luís Marques Mendes, que esteve na Guarda na semana passada numa ação de campanha junto de alunos da Afonso de Albuquerque; a militante e líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão; e o presidente do Chega, e também conselheiro de Estado, André Ventura (candidato a primeiro-ministro e a presidente da República). É expetável que o ex-Chefe do Estado-Maior da Armada e coordenador da “task force” para a elaboração do Plano de Vacinação contra a COVID-19 em Portugal, o almirante Henrique Gouveia e Melo, anuncie a sua candidatura. Também se prevê que, pelo menos um nome ligado ao Partido Socialista, como o ex-secretário-geral António José Seguro ou o ex-ministro António Vitorino, anuncie que é candidato a Belém.

Como curiosidade, a disputa do espaço socialista deverá ser entre dois antigos deputados pela Guarda: António José Seguro, que é natural de Penamacor, foi líder distrital dos socialistas e deputado eleito pelo distrito da Guarda – se avançar será o candidato que mais e melhor conhece a realidade do interior; e António Vitorino, que em 1987 foi eleito deputado pela Guarda, numa lista encabeçada por Abílio Curto (então o distrito da Guarda elegia cinco deputados, o PSD, de Cavaco Silva, elegeu quatro e o PS um). António Vitorino tinha regressado de Macau e o então secretário-geral do PS, Vítor Constâncio, queria que ele fosse eleito para depois ser escolhido para o Tribunal Constitucional. Curto foi o deputado eleito, mas regressou à Guarda e Vitorino foi substitui-lo na Assembleia da República, ascendeu ao Constitucional, depois a Comissário Europeu e continuou sempre no topo de poder do PS sem assumir nunca a liderança. Provavelmente agora fará o mesmo: à hora da verdade vai preferir continuar a assessorar os muitos negócios em que gravita à volta do poder…

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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