Um país de velhos

A Guarda é a cidade da Beira Interior que perdeu menos habitantes nos últimos 10 anos

Os resultados preliminares dos Censos de 2021 revelados há dias pelo INE merecem uma reflexão de todos, que vai muito para além da habitual conclusão de despovoamento do interior.
Portugal perdeu nos últimos 10 anos dois por cento da população. E a tendência é para manter ou até para aumentar – somos menos e cada vez mais concentrados em bolsas geográficas junto ao litoral: 31 municípios concentram 50% da população. E dos 308 municípios apenas 51 ganharam população e 257 perderam-na nos últimos 10 anos. Estas alterações demográficas terão também consequências políticas: os distritos do interior irão perder representatividade e os do litoral, nomeadamente Lisboa, irão ter mais deputados – o que, em consequência, irá determinar mais políticas centralistas e o aumento de assimetrias.
Este retrato mostra um extraordinário fracasso nas políticas de natalidade e ainda maior nas propaladas medidas de coesão territorial e no discurso de que é preciso repovoar o interior. Na verdade, praticamente todos os concelhos do interior perderam população.
A região Centro perdeu cem mil residentes (- 4,3%). E o distrito da Guarda perdeu quase 18 mil pessoas (depois de ter perdido 19 mil entre 2001 e 2011), com todos os concelhos a perderem população. O esforço de muitos, resilientes, em especial dos autarcas, que têm procurado inventar todo o género de soluções e caminhos para atrair empresas, aumentar o emprego e manter a população, tem-se revelado infrutífero, pois o despovoamento tem sido contínuo em todo o interior. Se o concelho de Seia é o exemplo mais perturbador (entre 1991 e 2001 perdeu 2.189 residentes; entre 2001 e 2011 perdeu 3.503; e entre 2011 e 2021 perdeu 2.943) toda Beira Interior vive um drama de desertificação avassalador para o futuro.
O concelho da Guarda foi, de forma muito evidente, o que perdeu menos população na Beira Interior (menos 5,6% de residentes, passando de 42.541 para 40.155)) e a cidade, com menos 94 habitantes (-0,4%), manteve praticamente a população que tinha em 2011 (tem agora 26.471 residentes), ou seja, não conseguiu absorver a perda populacional do concelho (menos 2.386 habitantes) ou mesmo do distrito, mas a manutenção de emprego em serviços, a recuperação da vitalidade do Politécnico da Guarda e o crescimento de algumas indústrias, como a Coficab ou a Sodecia, ou o crescimento de empresas de transportes e logística, permitiram manter a população da cidade e são um bom auspício para os próximos anos. A Guarda é mesmo a cidade da Beira Interior que perdeu menos habitantes nos últimos 10 anos. Mais, a Guarda, depois de ter sido a única capital de distrito do interior a perder população nos anteriores censos (entre 2001 e 2011 o concelho perdeu 1.362 residentes), foi nos últimos censos, excetuando Viseu (que cresceu 0,4%), a capital de distrito do interior que menos habitantes perdeu.
Pelo contrário, e surpreendentemente, o concelho da Covilhã perdeu 5.344 residentes (menos 10,3 por cento face a 2011, tendo passado de 51.797 habitantes para 46.453), isto apesar, nomeadamente, do grande crescimento da Universidade da Beira Interior que terá atenuado a diminuição de residentes, mas não como seria expetável (foi mesmo a cidade portuguesa sede de uma universidade que perdeu tantos residentes). E também inesperadamente, o concelho do Fundão, que é sempre identificado como um modelo de desenvolvimento e capacidade de contrariar o flagelo das assimetrias regionais, perdeu nos últimos 10 anos 9,2% (menos 2.692 pessoas – passando de 29.213 para 26.521). Ou seja, apesar de alguma dinâmica empresarial, a falta de novo emprego em serviços não lhe permitiu manter residentes.
O concelho de Castelo Branco, que nos Censos anteriores tinha sempre registado aumento de residentes, perdeu 6,8% de habitantes (passou de 56.109 para 52.272 residentes).
A correção das assimetrias e a coesão territorial há muito reivindicadas para inverter a ancestral tendência de despovoamento do interior tem agora um novo problema: a taxa de crescimento negativo do país. Assim, com população a decrescer no país será ainda mais difícil recuperar a população para os territórios de baixa densidade. As políticas de migração, e, em especial, as de natalidade, têm de ser efetivas e capazes de modificar este flagelo que é a diminuição da população residente no país. Já não é só um problema do interior, a desertificação é um problema da generalidade do território português. Os censos mostram um país envelhecido, um país sem crianças, um país que não consegue renovar-se e um país assim, é um país sem futuro.

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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