O diabo anunciado por Passos Coelho nunca chegou. Mas, já diz o povo, ele está sempre à espreita. E, lamentavelmente, são muitas as brechas por onde pode olhar.
Depois de três orçamentos em que Costa era acusado de ceder ao ministro das Finanças, Mário Centeno, na promoção de uma «austeridade de esquerda», o último orçamento da legislatura surge por muitos etiquetado como «eleitoralista».
Talvez o seja e ainda bem. Se é inaceitável dizer, como o fez um alto responsável do PSD durante a vigência do resgate externo, que algo pode ser bom para Portugal sem que o seja para os portugueses, sê-lo-à também afirmar que um orçamento é mau por ter medidas boas para os eleitores. Boas para o conjunto dos portugueses (redução de propinas, livros gratuitos, passes sociais, etc), e não apenas para pensionistas ou funcionários públicos.
Será isso suficiente? Depende do diabo. Apesar da previsão do défice mais baixo da democracia e de nova redução do rácio dívida/PIB, o valor absoluto do endividamento público vai continuar a crescer em 2019. E nos anos seguintes. Se a conjuntura económica se inverter – a economia global e a área do euro estão a desacelerar –, os investidores vão penalizar os países percecionados como menos capazes de respeitar os seus compromissos financeiros. E, não nos enganemos, Portugal manterá por muito tempo a terceira maior dívida da Zona Euro.
O esforço para fazer regressar aqueles que abandonaram o país durante a crise não vem acompanhado de medidas para captar o necessário investimento estrangeiro. Além de que este orçamento é parco no que toca ao tecido empresarial, exceção feita à isenção do pagamento especial por conta, medida sobretudo favorável às pequenas e médias empresas. Nada sobre demografia e muito pouco para combater radicalmente a desertificação do interior, sendo a instalação de uma secretaria de Estado em Castelo Branco mera medida para eleitor ver.
Também não se vislumbram medidas tendentes à reformulação do funcionamento do Estado, intenção que António Costa atira para a concretização do caótico processo da descentralização que, até agora, mais não é do que a municipalização casuística de competências que não interessavam a Lisboa.
Em paralelo, o Banco Central Europeu já iniciou a normalização da política monetária que, mais cedo ou mais tarde, se traduzirá no aumento da taxa de juro de referência. Os Estados Unidos armam-se de protecionismo para equilibrar a relação comercial com a Europa e, sobretudo, a China. Ninguém sabe como vai acabar o Brexit, sendo hoje mais possível do que nunca uma saída britânica desordenada que leve a União Europeia para terreno desconhecido. Itália ameaça tornar-se no principal foco desagregador da moeda única, com os efeitos a fazerem-se já sentir nos custos de financiamento de Roma e também de capitais frágeis, como Lisboa ou Atenas. Focos de incerteza e desestabilização não faltam – nem analistas a alertar para o risco de nova bolha bolsista prestes a rebentar.
Este orçamento, capaz de agradar de Jerónimo a Rio, vai melhorar a vida das pessoas e fazer de Portugal um país mais justo. Mas não protege o país dos diabos à espreita.