Um desejo humanista para 2020

Escrito por Carlos Cortes

«A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação», Juramento de Hipócrates

Numa altura em que a área da Saúde e o Serviço Nacional de Saúde, em particular, atravessam um período de profundas e permanentes dificuldades, com graves prejuízos para os doentes e para os profissionais de saúde, é primordial os médicos encetarem uma reflexão profunda sobre o seu papel na Saúde, sobre o exercício da Medicina e sobre a sua ligação aos doentes.
As atuais pressões economicistas e financeiras, desprovidas de preocupação pelo bem-estar dos que recorrem aos cuidados de saúde, ignoram as condições adequadas para os profissionais poderem exercer a sua atividade com a qualidade necessária. Com mais ou menos dotação orçamental, ano após ano, o subfinanciamento crónico existente na Saúde produziu efeitos difíceis de reverter, mesmo com uma enorme boa vontade política que parece nunca surgir da parte do Ministério da Saúde e/ ou do Ministério da Finanças.
As estratégias políticas para a Saúde estão hoje suplantadas por interesses que pouco têm a ver com a defesa dos interesses dos doentes.
Mais do que nunca, a valorização do pensamento axiológico da Medicina é o único a poder fazer frente a um sistema de saúde em perda galopante de humanização em que o doente é apenas um número, numa folha de Excel, e o médico um mero funcionário com cada vez menos autonomia.
Cabe aos médicos reivindicar um caminho diferente e uma estratégia centrada na defesa de uma Medicina de qualidade e na humanização dos cuidados de saúde.
A relação entre o médico e o seu doente é um princípio inalienável e basilar da Medicina na tradição milenar da escola hipocrática, que se desenvolveu desde a Grécia antiga, onde a Pessoa tem um papel central não apenas no sistema de saúde, mas também na vida do Médico.
A relação médico-doente é complexa e tem profundas implicações na confiança que o doente irá ter no tratamento da sua doença e no êxito da sua cura. É obrigação de todos os médicos preservar e acarinhar essa relação. Sem a existência de uma relação Médico-Doente consolidada perder-se-á a noção de medicina humanizada. Mais do que uma ligação entre duas pessoas no âmbito de uma consulta, a relação médico-doente constitui um alicerce civilizacional e é uma das bases dos direitos do Homem. Estes são os motivos pelos quais a Ordem dos Médicos está a preparar a candidatura da relação Médico-Doente a Património Imaterial da Humanidade junto da UNESCO.
Os tempos de incerteza remetem-nos para a necessidade de aprofundar os referenciais éticos próprios da profissão médica e a consolidar os valores humanistas sobre os quais se construiu o Serviço Nacional de Saúde.
A magnanimidade da profissão médica conhece um dos seus pontos mais altos neste encontro de dupla dádiva onde, na relação médico-doente, em que ambos dão e ambos recebem.
Em 2020, é preciso termos um sistema de saúde mais preocupado com as Pessoas e mais humano. Está nas nossas mãos.

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Sobre o autor

Carlos Cortes

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