Um cabo de cebolas para 2020

Escrito por Amadeu Araújo

O que esperar e recear de 2020?

O INTERIOR volta desafiar personalidades, autarcas, políticos, empresários, sindicalistas, jornalistas e dirigentes associativos a partilhar a sua opinião sobre o novo ano, bem como as suas aspirações, preocupações e anseios. Um trabalho dividido em vários textos, que serão publicados durante o mês de janeiro.

Roubei título ao amigo, que, sarcástico, engendrou tradição que deveríamos incutir nas nossas gentes. “Descascar um cabo de cebolas no começo do ano. Só se chora uma vez, depois é mamar”. Ideal a quem escasseia “estabilidade emocional” e deseje direitos sem deveres, assim como os apaniguados que por cá vêm coçar o paraquedas com que se abalam à capital, incluindo, pasmo e abismo, aquele senhor que aí veio manducar ovos verdes e que depois do regalo do banho presidencial, transmitido em direto por esses oráculos do jornalismo redondo e madraço, se dignou falar à Pátria. Ouvido o salmo faltou-lhe interior. Somos cada vez menos e temos cada vez menos povo. Não por falta de atavio, mas por ausência de vistas. Talvez o senhor tenha metido a palavra no Correio, como as boas festas enviadas antes da Consoada, nos dezoitos e dezanoves do Advento, que demoraram uma semana a chegar ao destino. Isto é o Interior. A tremenda eficácia dos CTT que haverá de arribar com a primeira pedra com que iremos construir um lar, ali na Praça do Município, com outra bordada para a hotelaria. Triste fado o nosso desfastio, que ardemos e não há quem bote carvalhos e castanheiros nas encostas despidas, mau grado a extraordinária beleza da paisagem. Uma década perdida, como a Barragem de Girabolhos, ou a incúria nas infraestruturas do Estado e o silêncio cúmplice dos apaniguados que perante a lealdade à região, preferem obediência aos partidos a que devem “estabilidade emocional”. Nos desejos para 2020, que ao dobrar da década trará nova catrefada de fundos comunitários, reclamo a barragem, a regularização do Mondego e a peticionada reativação da Linha Ferroviária do Douro a Barca d’Alva. Talvez agora que o Governo da Nação tem sucursal na Guarda não precise de carteiro para transmitir a vontade de caminho que não acaba. Temos défice de notoriedade, ignorância de geografia e muito desse badalar que poria em nós outro binóculo, traria estas obras imperiosas. Mas a realidade, teimosa e velhaca, é tudo o que resta dos sonhos. Vejam os fundos comunitários que nos deram as estradas e renovaram comboios. Das estradas, portajados; das automotoras talvez se ausente a ligação entre a Mais Alta e a Cova da Beira, que podia integrar uma região que é Diocese, mas que é tratada como paróquia. E isso não é culpa dos de Lisboa, é culpa nossa que o permitimos, sobremaneira ao longo da última década em que a política local foi colonizada pelos de longe. Que 2020 nos junte nos sinos da Velha Sé para que repiquem a anunciar a ressurreição, não a de nosso Senhor, mas a de nossos senhores.

* Jornalista

Sobre o autor

Amadeu Araújo

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