Transparência

“Nestas acaloradas discussões sobre sexo e género e transexo e transgénero e outras opções, há uma expressão muito repetida pelos activistas identitários que quero aqui debater: “sexo atribuído à nascença”.”

À hora a que se escreve esta crónica, Portugal continua com uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Paris. Santa Lúcia e Dominica já têm ao peito, cada um, uma medalha de ouro. Talvez não fosse má ideia – e nem seria só pelas medalhas olímpicas – deslocar Portugal para as Caraíbas.
Uma grande polémica destas olimpíadas foi a biologia de uma pugilista argelina, com uma improvável mistura de cromossomas, testosterona e órgãos sexuais. Entre os que defendem a sua participação em competições com outras mulheres e os que julgam estarmos a assistir a uma clássica cena de porrada a que as feministas chamam violência de género, não tenho nenhuma opinião. A razão da minha abstenção opinativa é a mesma que me fez abandonar o rumo das ciências naturais no fim da década de 1980 – um total desconhecimento de Química e de Biologia.
Nestas acaloradas discussões sobre sexo e género e transexo e transgénero e outras opções, há uma expressão muito repetida pelos activistas identitários que quero aqui debater: “sexo atribuído à nascença”.
Mesmo percebendo pouco de biologia, tenho uma vaga ideia de que o sexo, enquanto objecto físico da anatomia, não me terá sido implantado no serão de 19 de Fevereiro de 1972 – dia da tal nascença – mas viria já acoplado ao pequenito corpo acabado de parir e que o pessoal de serviço mais os meus paizinhos se terão limitado a verificar com qual das duas versões eu vinha equipado.
Quando ouço a expressão “sexo atribuído à nascença”, penso também se, por algum acaso, se referem não ao órgão anatómico, mas ao sexo enquanto prática e acto. Como se alguém, à nascença, lhe visse ser atribuído o sexo a que terá direito – ou dever – de usufruir durante a vida. Nesse caso, devo dizer, as pessoas ao serviço nessa tal noite de Fevereiro na maternidade de Coimbra foram muito pouco generosas. Embora, nesta dimensão, e tal como defendem os identitários, há pessoas que crescem desconfortáveis com tal destino traçado. Conheço gente a quem o sexo atribuído à nascença terá sido, com certeza, uma quantidade e qualidade pouco assinaláveis, mas que não se conformando com essa atribuição, se identificam, praticando-a, com níveis de devassa dignos do Velho Testamento.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

Leave a Reply