Torre dos Ferreiros: o paradigma sucessor do “vamos almoçar…”

Escrito por Fidélia Pissarra

«Ao fim e ao cabo, mesmo que as associações não sirvam para mais nada do que receber uns trocos do município e fazer concorrência, desleal, ao café do bairro, sempre dão para angariar mais uns votos»

A Guarda, no sistema hierárquico de divisão do território em regiões, é uma cidade da NUT III, entidade intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, NUT II, Centro e NUT I, Continente, pode, por isso e por cerca de 570 mil euros (comparticipados pelos padrinhos destas nomenclaturas todas, evidentemente) depois, ter uma torre medieval modernizada, mas pouco. Pouco moderna, entenda-se. Ou, vá, não completamente. Como que envergonhado, pelo arrojo de limpar as pedras à velha torre, alguém decidiu, além da caixa das esmolas, deixar-lhe uns vestígios de plástico, ferrugem e tinta do século passado. Presume-se que não o arquiteto, porque nenhum será assim tão mau. O certo é que, inconscientemente, ou não, parece que antes de assumir a sua posição nesta hierarquia toda, de regiões e territórios, a Guarda prefere preservar, atavicamente, reminiscências de outras categorias administrativas. Embora o exemplo da estátua do D. Sancho, de posição recorrentemente contestada, possa também ter influenciado na decisão de não remover sequer as grades que protegem o nicho. Certo é que o que antes da intervenção já chocava mais do que a cruz gigante, fluorescente, no barroco do Alvendre e a santa no barroco do Sobral, agora estarrece quem se aproxima da Torre vindo do lado da Sé. Bem sei que gostos não se discutem, mas o que é demais é demais e esta recente mania, de perpetuar no espaço urbano tanta fragilidade estética e funcional, faz cada vez menos sentido. Por esta e outras que tal, quase já nem valerá a pena perguntar que ideias temos para a cidade porque, já se sabe, quando não implicam florinhas nas rotundas, implicam pedrinhas. Nas rotundas, claro. É no que dá sermos isso tudo que passámos a ser, sem saber muito bem o que fazer ao dinheiro a que, só por o sermos, temos acesso. Mas, pronto, habituados que estamos a tanto disparate, também já dificilmente seremos achacados se o “Porto Seco” levar o mesmo rumo da “Plataforma Logística” e se os tunisinos, depois de aprenderem o que temos para lhes ensinar, tomarem o rumo dos outros que cá estiveram antes deles.
Contudo, há, saliente-se, que saber outorgar algum préstimo aos despropósitos. No caso do Sr. dos Aflitos que seja a prevenção de achaques na ausência de um plano simples e escorreito para a cidade. Entretanto, haja engenho e arte para se irem descortinando umas rubricas onde encaixar associações e sinecuras variadas. Ao fim e ao cabo, mesmo que as associações não sirvam para mais nada do que receber uns trocos do município e fazer concorrência, desleal, ao café do bairro, sempre dão para angariar mais uns votos. Quanto a sinecuras? Estamos conversados, ninguém consegue ir longe sozinho. Pode até pensar-se que sim, mas não e há mesmo que desconfiar de quem vier cá com conversinhas a afirmar o contrário. Já para não falar dos adeptos do “chega para lá que me enfarruscas”. Desses, não basta suspeitar, é preciso fugir a todo o custo. Como quem diz: fugir de sertãs que insultem tachos.

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Fidélia Pissarra

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