Todo o homem deve plantar uma árvore

O pior que se pode fazer por uma cidade é destruir a sua natureza

Entre a Elsa e o Fabien, a região foi atacada por rajadas de vento acima dos 100 quilómetros (e se a Guarda é uma cidade ventosa, o que se viveu na semana passada foi uma situação completamente anormal).
A cidade tinha, há 100 anos, no seu lado oeste uma extensa mata que foi cedendo ao progresso. Essa extensão de árvores resistentes (cedros), coníferas, nativas das montanhas, majestosas e que na nossa “Matta” (onde hoje se situa a zona do bairro das Lameirinhas) permitia abrigar a urbe dos ventos fortes que sopravam daquele lado do monte. A única construção de então era a Casa do Guarda da “Matta Municipal” (algures na zona onde hoje se encontra o Estádio Municipal). Por entre pinheiros, arciprestes e outras árvores resistentes, travavam-se as nortadas e a brisa era menos intensa no cimo da “velha” Guarda do século XIX. A sua resistência aos ventos foi perecendo perante o crescimento urbano ainda na primeira metade do séc. XX e hoje restam apenas alguns exemplares espalhados pela cidade. E, mesmo estes, perante as condições adversas e uma intempérie excecional, vão caindo – vimos como os Bolsonaros da Guarda gritaram contra os que defendem a natureza e clamaram pelo abate indiscriminado das árvores – todas! Em vez de exigirem a criação de equipas multidisciplinares que estudem o meio-ambiente, a flora, a vegetação endógena, a limpeza, a poda, o corte das plantas doentes, o tratamento fitossanitário, a recuperação do espaço para as plantas ganharem raízes, resistência e segurança para evitar tragédias, não, preferimos atacar os que as defendem. Esquecemos que muito antes de construirmos as casas, as estradas e o cimentado que mata toda a vegetação, havia árvores. E se naturalmente temos de lamentar o susto, o pânico, provocado pela queda de algumas árvores mais próximas das casas ou dos carros, devemos recordar que as medidas de segurança deviam ter sido tomadas no acompanhamento, na limpeza, na vistoria das que não estavam bem – seis anos depois da tentativa falhada de derrubar todas as árvores de grande porte da cidade, e sem nada entretanto ter sido feito pela requalificação ambiental da urbe, elas caiem… é a natureza! Não nos protegemos, não nos sabemos proteger, porque só nos protegemos das agruras naturais quando protegemos a natureza e não destruímos o meio-ambiente…
Quando cai uma sequoia na “Mata” do Hospital ninguém recorda que essa plantação foi feita para dar nova vida ao parque inaugurado em 1907 pela Rainha Dona Amélia e pelo Rei D. Carlos, na zona onde se instalou o Sanatório. As sequoias-gigantes envelheceram, foram abandonadas e morreram – as árvores também morrem! A sua queda pode ser pouco notada, mas a verdade é que se há vinte anos o Parque da Saúde da Guarda ainda tinha 54 árvores excecionais na nossa vegetação, hoje são poucas e as mais velhas acabarão por cair se nada for feito por elas.
O pior que se pode fazer por uma cidade é destruir a sua natureza. E a Guarda, a que Unamuno via quando chegava, e idolatrava, há muito que já não existe. Era uma cidade agreste, fria e de uma natureza intensa, de árvores fortes que cederam à vontade dos homens. A Guarda de hoje nem sequer é aquela que Augusto Gil carregava, com nortadas e dias de gelo, sincelo e neve. Ou mesmo aquela de Vergílio Ferreira, onde as crianças, serrando as mandíbulas, sofriam com o frio enquanto os vendedores de borralho deambulavam pela cidade, sujos e escarnecidos, cobrindo as braseiras para amenizar as agruras do Inverno. E, recordando Aquilino, temos a constante presença dessa “Via Sinuosa” ambiental, porque a mecanização do quotidiano anónimo das cidades e das suas práticas de consumo, a urbanização maciça do espaço rural, traduziu-se não apenas na redução do património biogenético dos campos, mas também da sua herança ética secular, favorecendo o amoralismo e o indiferentismo destes tempos
Hoje, todos queremos viver em segurança, sem preocupações, no conforto merecido do nosso dia-a-dia. E se uma árvore incomodar: abata-se. Podemos chorar pelo fogo distante, mas quando o perigo nos bate à porta, não há sensibilidade que resista, nem árvore que não se tombe. Mesmo que saibamos que são as árvores que seguram o vento e as tormentas, que renovam o ar e nos refrescam quando o calor aperta.
Boas Festas

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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