Tirar as pessoas das ruas*

Escrito por Jornal O Interior

Sou um cidadão italiano residente na Guarda, uma cidade escolhida para viver em absoluta tranquilidade e longe dos aborrecimentos diários das grandes áreas urbanas. Tem locais bonitos, clima agradável na montanha, gente bonita. Uma vida saudável e esperançosamente duradoura.
Mas com o coronavírus não parece, hoje em dia, já não poderei dizer bonito e saudável para a posteridade tendo em conta as notícias que vêm da Europa, da minha Itália e de Espanha, (…).
É verdade que Portugal esteve até agora longe da pandemia que está a atacar a Europa, os seus cidadãos, a sua economia e estabilidade. É igualmente verdade que ações tardias podem gerar situações graves, como comprometer a estabilidade do país em termos de estabilidade financeira e, não menos importante, económica se as medidas adotadas forem projetadas ao longo do tempo.
Relendo os “Conjugues prometidos” (I Promessi Sposi), de Alessandro Manzoni, quando o autor aborda os méritos da praga que atingiu o Ducado de Milão (que estranha coincidência), em 1630, encontramos analogias aberrantes sobre a situação que estamos a enfrentar hoje.
A Guarda parece não notar esse enxame pestífero (coronavírus) que está a paralisar a Europa. E não é uma coisa boa. De facto, é ruim.
Existem muitos pontos de contacto entre o relatado no livro e a situação de emergência que estamos a enfrentar atualmente, a começar pela psicose que acaba com as disputas entre cientistas e hospitais superlotados, perto do colapso. Uma passagem diz «que a teimosia de negar a praga estava naturalmente cedendo e se perdendo, à medida que a doença se espalhava e se espalhava devido ao contacto e à prática» (…) Isto soa como um alarme para governos que, sorrateiramente, tentam esconder a verdade.
Então, não nos vamos surpreender por não ter mudado tanto.
Outra passagem diz: «No primeiro anúncio da praga, ficou frio em operar, de facto, na obtenção de informações» (…) Como se conflitos de poderes superiores fossem impostos de cima. «O terror da absentia e do lazareto estava aguçando toda a inteligência; os doentes não foram notificados, os coveiros e seus supervisores foram corrompidos» (…).
E, novamente, «mas no final de março, primeiro na vila do portão leste, depois em todos os distritos da cidade, doenças e mortes se tornaram frequentes, com estranhos acidentes de espasmos, palpitações, letargia, delírio com aqueles sinais fatais de contusões e bolhas; na maior parte morte, rápida, violenta, não com frequência repentina, sem qualquer indicação prévia de doença. Os magistrados, como aqueles que se ressentem de um sono profundo, começaram a dar um pouco mais de atenção aos avisos, às propostas da Saúde, para executar seus editais, as apreensões ordenadas, as quarentenas prescritas (…)».
A sensibilidade das pessoas afetadas pelo coronavírus – que também afeta a minha família italiana – aumenta as expectativas dos governantes que ainda demoram a tomar decisões coercivas, fortes, rigorosas para impedir a entrada e saída das pessoas. Sem nenhum respeito pelas regras básicas de saúde a adotar em circunstâncias tão diversas e contundentes como as que este vírus nos forçou, usam-se roupas de camuflagem que estão a travar a ânsia de progresso e a virtualidade do nosso estilo de vida, desprezando este mundo que nos hospeda apenas por alguns anos.
É preciso tirar as pessoas das ruas, de lugares públicos, de reuniões desnecessárias. Vamos salvar as nossas vidas deste inimigo invisível.

* Título da responsabilidade da redação

Riccardo Benedetti, Guarda (17 de março de 2020)

Sobre o autor

Jornal O Interior

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