Tinne*

“Os poemas são navios atracados no porto. Não se sabe de onde partiram. Nem os mundos que visitaram. Anunciam o aconchego das tuas sílabas no cesto do pão acabado de chegar. “

1. Lisboa está atulhada de turistas. Os negócios florescem. O chico espertismo está em alta. Os preços disparam. Alguns monumentos parecem colónias de formigas. O indigenato, como em Sintra, já levantou o machado de guerra. Mas a capital, desde há muito, tem sido o berço para muitas e desvairadas gentes. Não o umbigo do mundo e o sumidouro da nação, como nos idos de quinhentos. Não o ralo de um país falhado, retratado em tons expressionistas por Eça em “A Capital”. Não a cidade onde um país inteiro se vem contemplar no Tejo, tal narciso, como avisou Torga. Não! É o turismo de massas no seu esplendor. Multidões de zombies vagueando. Mortos pelo cansaço de querer ver tudo e não ter tempo para ver nada. Ou enlatados nos tuk tuk. Ou debruçados nos autocarros panorâmicos. Ou numa fila gigantesca para qualquer coisa: um pastel de Belém, ou as bilheteiras automáticas do metro. A vocação cosmopolita da capital já fez germinar as flores mais preciosas: a troca de saberes, de artes, de produtos, de ambições. Resumida agora ao ócio programado. Onde o requinte, a curiosidade e a vertigem de outras épocas descambou na adrenalina mole, na cegueira e numa espécie de escravatura hedonística. É verdade que o turismo representa 15% da economia. É verdade que cria emprego e promove a requalificação urbana. Mas o seu peso na economia é volátil. E quem beneficia com o turismo não são os mesmos que sofrem os seus impactos negativos. Impõem-se uma série de medidas que regulamentem o sector. Exemplos: licenciamento apertado dos tuk tuk e análogos, acesso limitado a determinados locais e monumentos, com reserva antecipada e aumento dos preços das entradas, proibição de Airbnb em condomínios. E, sobretudo, diversificar a oferta turística, para além dos sítios do costume. Portugal tem muito para dar e conhecer, sem engarrafamentos e preços inflacionados.
2. As recentes eleições na Venezuela mereceram o repúdio generalizado da comunidade internacional. Para isso contribuíram múltiplas suspeitas de fraude, tratamento desigual dos candidatos, silenciamento da oposição e eliminação física de alguns opositores, bem como a repressão subsequente a que o mundo tem assistido. A habitual hipocrisia (mas não incoerência) da esquerda comunista e neocomunista não se fez esperar. O “nosso” PCP, firme e hirto, já demonstrou a sua lealdade ao regime cleptocrático de Maduro. Ora, muito se disse sobre a situação naquele país sul americano. Cuja população, fora dos círculos do poder, vive no limiar da pobreza, mas com uma das maiores reservas do petróleo a nível mundial. Só queria só lembrar, aos mais esquecidos, a realidade dos factos. A economia é o desastre que se conhece. Mas são os dados que medem a qualidade da democracia a nível global que melhor reflectem a realidade de cada país. Para ilustrar o desastre venezuelano, socorri-me de dois ÍNDICES de referência que efectuam está medição:
O primeiro é o Varieties of Democracy (V-Dem) – a partir da base de dados do instituto homónimo da Universidade de Gotemburgo. Aqui, o tratamento dos dados é feita numa perspectiva histórica, multidimensional, desagregadora e onde as particularidades são majoradas. Afastando assim algumas críticas apontadas a este tipo de índices, como a sua pouca elasticidade. As variáveis metodológicas seguidas são: transparência do processo eleitoral, respeito pelos direitos fundamentais e imprensa livre, igualdade de tratamento, participação política e transparência dos processos deliberativos, com mecanismos efectivos de limitação do poder. No ranking deste ano, a Venezuela aparece em 164 lugar, com um score 0,06/1,00. A Dinamarca lidera, com 0,88/1,00. Um verdadeiro abismo, separa estas realidades. Por outro lado, existe um Índice mais conhecido e, porventura mais conceituado (o que não significa mais rigoroso). Trata-se do Democracy Index, criado pelo Economist Intelligence Unit, ligado ao “The Economist”. Basicamente, agrega os vários países em quatro grupos: democracias plenas, democracias imperfeitas, regimes híbridos e regimes autoritários, com base em cinco critérios: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. No último ranking, de 2023, a Venezuela aparece em 142° lugar, com uma pontuação de 2,31/10,00. A Noruega aparece no topo, com 9,82/10,00. E qual a posição de PortugalL? Como já aqui o referi, no índice V-Dem aparece na 26° posição. A sua pior classificação é nas componentes da igualdade de tratamento e na participação política, onde alcançou, respectivamente, os 41° e 45° lugares do ranking. Já no Democracy Index alcança o 31° lugar, no grupo das ‘democracias imperfeitas’ , com uma pontuação de 7,75/10,00. Surpresa?
3. Os poemas são navios atracados no porto. Não se sabe de onde partiram. Nem os mundos que visitaram. Anunciam o aconchego das tuas sílabas no cesto do pão acabado de chegar. Neles, as palavras, algumas palavras, são vagabundos errantes. Vivem em trânsito entre os poemas. Fogem. Entram e saem. São o novelo que se desdobra. Germinam no rasto deixado pelo poema, quando é esculpido por outro. Um dia partem. E levam-te consigo, como um passageiro clandestino.

* No calendário vegetal celta, significa“Azevinho”

** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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