Tens de viver

Escrito por Diogo Cabrita

“O envelhecer saudável tem de ser a aposta do SNS e nunca a persistência e o encarniçamento da não vida. Viver é uma espaço amplo e multi-conceptual, mas não inclui os mortos vivos, os que morreram social, emocionalmente, incapazes das atividades básicas diárias. “

Esta crónica é de uma violência não recomendável. Esta crónica devia ser castigada pela Ordem dos Médicos e dos Enfermeiros. Esta crónica tem bolinha no canto superior direito e não se recomenda a emotivos, histéricos, detentores de falsa moral, donos de penas alheias. Esta crónica desperta o clamor público das grandes convicções, liberta em gritos a plateia dos entendidos e nunca vai presumir a minha inocência. Assim, dou-me já por culpado.
Eu sou culpado de não querer viver sem entendimento social, sem reconhecer os meus entes queridos, sem cognição onde antes havia, alimentado por sondas, drenado por cateteres, incapaz de mobilidade, anquilosado e com escaras (este quadro total ou com mais de quatro parâmetros). Nesse dia não posso recusar a diálise que um idiota insiste em me fazer, não posso recusar que me amputem as pernas que um imbecil acha que deve. Nesse dia não posso consentir os inúmeros exames e análises que me querem fazer, mas eu não quero, eu não estou vivo, e não quero que me obriguem a estar. Por isto tudo detesto muitos médicos que vivem carregando seu narcisismo de competência duvidosa, e por isso detesto que coloquem normas onde Deus deixou a tolerância, detesto protocolos salvíficos onde nada é para salvar além da indignidade, e quem sabe, seu sofrimento.
O envelhecer saudável tem de ser a aposta do SNS e nunca a persistência e o encarniçamento da não vida. Viver é uma espaço amplo e multi-conceptual, mas não inclui os mortos vivos, os que morreram social, emocionalmente, incapazes das atividades básicas diárias. Se estão saudáveis de coração e pulmões, vivem, se deixam de estar, vão… mas podem ser contrariados, ficar agarrados como o fio que conserva o balão. Para os idiotas que gostam do comentário das pequenas diferenças, o clamor da sua estupidez moralista, poupem-se porque não estou a falar de pessoas, não estou a falar de cidadãos (pela OMS), não estou a falar de intelectualidade e mobilidade física conservada, nem de neuropatias nem psiquiatrias, nem criminosos, nem delinquentes. Eu não quero ser obrigado a ter um coração que bate. Ponto.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

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