A história mostra-nos que há ciclos. A períodos de maior estabilidade sucedem-se épocas de maior conflito, mudança e caos. Hoje, a instabilidade, o caos e o pessimismo predominam. Há por aí muitas previsões catastrofistas. A ascensão das máquinas, a inteligência artificial, o desemprego em massa, o populismo, o fascismo ao virar da esquina, o recuo da democracia, o fim do Estado-Providência, etc. Na verdade, ninguém sabe o que aí vem, o futuro não é um prolongamento do presente, é sempre uma incógnita, e a incerteza é cada vez maior. De qualquer maneira, a história também nos mostra outra coisa: as pessoas cansam-se da estabilidade e, mais depressa ainda, do caos. Ninguém aguenta muito tempo nem uma coisa nem outra. Por isso, o mais provável é o caos e os conflitos continuarem nos próximos três ou quatro anos e, depois, as coisas acalmarem. Pode ser que 2021 já nos traga alguma calmaria.
A pandemia veio complicar tudo. É um “cisne negro”, para usarmos a terminologia de Nassim Nicolas Taleb. Ou seja, é um acontecimento imprevisível com forte impacto, com capacidade de mudar sociedades inteiras e/ou de acelerar mudanças. À primeira vista, este novo coronavírus vem, sobretudo, acelerar o que já estava em andamento. Por exemplo, atividades online como o teletrabalho, compras, consultas médicas, ensino, etc. já existiam há algum tempo. Porém, muita gente via-as com alguma desconfiança. A pandemia alterou essas perceções e, provavelmente, de vez.
A globalização e a revolução da informação são há muito as duas principais tendências económicas. Provavelmente, vão continuar a sê-lo. Ao contrário do que alguns preveem ou aspiram, acho pouco provável que a Covid-19 traga de volta ao ocidente os nacionalismos económicos, o fecho de fronteiras ou a produção industrial espalhada pelos quatro cantos do mundo. Hoje, 70% dos postos de trabalho no ocidente estão nos serviços, inclusive na Alemanha, um dos poucos países ocidentais onde supostamente ainda não se perdeu a competência de produzir coisas. Reconverter toda essa mão-de-obra seria um bico de obra, com um inevitável descalabro económico pelo meio. Porém, nunca fiando. É célebre o livro “A grande ilusão”, de Norman Angell, publicado em 1911. Segundo o economista britânico, as finanças e o comércio estavam, à época, tão interdependentes que os poderes político e militar nada podiam fazer para inverter essa realidade, pois os custos seriam brutais. Pensar o contrário era a tal “grande ilusão”. Como é sabido, a I Guerra Mundial tornaria o título do livro involuntariamente irónico. 20 milhões de mortos, a ruína da economia europeia interligada, o descalabro de impérios. Afinal, quem estava iludido era o autor.
O novo coronavírus não matou a globalização, nem é previsível que esta morra nos próximos tempos. Mas é sempre possível matá-la. E essa é outra lição da história: nada está garantido para todo o sempre.