Teimosia e senso

Escrito por Diogo Cabrita

“A tolerância ao desperdício e ao desbarato devia crescer, mas vejo milhares de remediados e pobres a raspar o salário nos cafés, e vejo dezenas de homens afogar a pobreza em convívios de cerveja. “

Será que o bom senso aguenta a teimosia? Cedência é tolerar, podendo significar medo ou interpretação de fraqueza. A tolerância testa-se na adversidade, na vizinhança, na reunião de condomínio e quanto maior o prédio mais provável a dissonância. O povo lá diz “cada cabeça, sua sentença” e também que “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Podemos inferir que a pobreza aumenta a intolerância e a teimosia? Na pobreza aumenta a tensão do crédito, o medo da fome, a noção de que o dinheiro pode não chegar ao final do mês. A tolerância ao desperdício e ao desbarato devia crescer, mas vejo milhares de remediados e pobres a raspar o salário nos cafés, e vejo dezenas de homens afogar a pobreza em convívios de cerveja. A teimosia pode ser salvífica na casa onde a matriarca impõe os limites. A rigidez pode ser indispensável numa empresa em crise. Temos portanto vários tipos de teimosia e a mais difícil é a “porque sim”! Temos vários tipos de inflexibilidade e ela estará presente na relação íntima e na relação empresarial, e no convívio. Nunca viste um casamento de chapadas? Uma família terminar em tiros e facadas? A escalada da teimosia vai do achar ridículo, o não gostar até à ansiedade, ao stress “só de ir trabalhar”. Também revolta a incoerência, a falta de critério, a ausência de equidade no mando. Vamos pondo condimentos nesta salada. Um pouco de verborreia, uma pitada de deselegância, uma estrondosa rigidez e temos uma relação “por um fio”. Tendo a Josefa bom senso, custa-lhe muito os exageros na lixívia do primeiro andar. Tendo a Liliana muitas rotinas, abomina a falta de horários, a desarrumação da colega. Cresce a antipatia, vem a revolta, chega a discussão, o primeiro insulto e depois o silêncio rosnado, a maldade sempre que se pode. Por muito senso que se tenha é difícil conviver com um estouvado, é desafio de gigante levar o alcoólico pela mão, é exaustivo perceber a indisponibilidade constante do marido. A teimosia do quotidiano e as verdades de cada um são a sopa que nos cansa. Cresceu muito com as redes sociais este volume do “eu acho”, a divulgação das primeiras impressões, a publicação da interjeição, o “tweet” da avaliação quente. Regressando ao povo:
– Nem se enxergam!
A teimosia cresce neste pântano de impressões que o bom senso avalia e rejeita. A sabedoria fica esmagada pelas precauções sem nexo, pelas confabulações sem sentido, pelas sequências histéricas do cidadão acrítico do que lhe servem nas televisões.

Sobre o autor

Diogo Cabrita

Leave a Reply