Tampos de reeducação

Depois de uma semana em que a boa educação – Deus me livre chamar-lhe censura – eliminou dos arquivos de várias companhias de comunicação filmes como “E Tudo o Vento Levou” e episódios de séries como “Fawlty Towers”, e o autor da série “Little Britain” pediu publicamente desculpas por alguns sketches que escreveu, venho também fazer o meu acto de contrição nas páginas deste jornal.
Primeiro, vou apagar do meu disco rígido todos os artigos que escrevi onde faça referência a pornografia, actividade controversa de que alguns amigos me falaram e que ainda não entendi se devo considerar como empoderadora ou aviltante para as mulheres. Na dúvida, vou eliminar.
Segundo, vou pedir para retirarem uma publicidade que escrevi, que anuncia manhãs e tardes, o que percebo hoje ser profundamente desrespeitador para noctívagos.
Terceiro, peço publicamente desculpa pelo título de um livro que escrevi há mais de 15 anos, a meias com um amigo – que não vou aqui denunciar, porque é um homem branco burguês com família heteronormativa, e receio pelo que lhe possa acontecer. O livro era “Como Ficar Estupidamente Culto em Apenas 10 Minutos”, mas hoje bem se podia chamar “Como Ser Hegemonicamente Ofensivo em Apenas 8 Palavras”. A expressão “como ficar” é paternalista, porque denota que pretendíamos ensinar alguma coisa. O advérbio “estupidamente” é discriminatório para seres com QI em quantidades diferentemente distribuídas. O adjectivo “culto” é prova da supremacia intelectual que dois homens brancos julgam ter sobre os demais. E “em apenas 10 minutos” é uma notória violência de estilos de vida mais pacatos e vagarosos.
Transtornado com tanta violência simbólica, já rasguei a capa dos 1.500 exemplares que um amigo me comprou. Se quero ter algum futuro nas páginas deste jornal ou nas salas da academia, sinto-me obrigado a continuar esta auto-crítica às piadas sexistas, culturalistas e classistas contidas nesse livro, na crónica da próxima semana. Na altura, parecia ter muita piada fingir que não sabia o que é o Kiribati. Hoje sei que é ofensivo para quem realmente não sabe. E ofender 95% dos leitores está mal.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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