Talvez não para sempre

«Ainda me lembro do tempo em que não se podia tapar a cara em espaços públicos.»

Ainda me lembro do tempo em que as crianças eram mais saudáveis se brincassem na rua.

Ainda me lembro do tempo em que não se podia tapar a cara em espaços públicos.

Ainda me lembro do tempo em que viajar era uma forma de aprender.

Ainda me lembro do tempo em que visitar os mais velhos era um gesto de solidariedade.

Ainda me lembro do tempo em que as mulheres muçulmanas eram vítimas de dominação masculina por andarem de cara tapada na rua.

Ainda me lembro do tempo em que cumprimentar as pessoas à distância era má educação.

Ainda me lembro do tempo em que os computadores e as consolas de vídeo eram prejudiciais à saúde.

Ainda me lembro do tempo em que se pedia aos adolescentes para se encontrarem e largarem a comunicação digital.

Ainda me lembro do tempo em que os vírus mais temidos eram os do Windows.

Ainda me lembro do tempo em que o primeiro-ministro era um optimista irritante.

Ainda me lembro do tempo em que o país se fechou todo em casa com um terço dos casos positivos de Covid que há agora.

Ainda me lembro do tempo em que o povo saía a rua a celebrar a liberdade.

Ainda me lembro do tempo em que a liberdade era poder pensar diferente.

Ainda me lembro do tempo em que ser livre era percorrer o país de lés-a-lés, sem que a polícia nos barrasse o caminho.

Ainda me lembro do tempo em que as canções clamavam que este povo não voltaria a ter medo, que nunca mais se deixaria tiranizar.

Ainda me lembro do tempo em que dividir o lanche no recreio era uma canção do Carlos Paião.

Ainda me lembro do tempo em que aconteciam coisas que hoje não lembram a ninguém.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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