Imagina que sonho com botas cardadas. Supõem que me inquietam as peças do xadrez. Por um instante sou atormentado por tiros de canhão e cintilantes disparos de armas. É longe, mas estou a dormir e sobressalto-me. Um dormir que podia ser entrecortado de amores, de sonhos, de afagos da pele, de lábios ternos e mãos macias. Mas tem sido perturbado com batimentos do coração, com ruídos ásperos, com chinfrins de alterne e de vociferações. Faz meses que a minha vida mudou. As pessoas estão enraivecidas e lutam por conquistar os bairros perto. Há perseguições, há mortos inocentes e há assassinatos mais justos porque carregam história, vingança, dor, desapontamento. Morre-se muito nestes dias em que o xadrez não tem peças, mas gente. Tombam os bons e os maus. Tombam os loucos e os santos. Não sabem porque disparam. A insanidade da guerra civil despontou de uma batalha tonta num campo de futebol. Tudo teve origem numa disputa no facebook. Segui atentamente o despontar da discórdia, o intumescer do ódio, a excitação dos insultos, a marcação da hora das bofetadas. Chegaram ao campo com armas e… como no sexo: houve enamoramento, conhecimento, desentendimento e disputa territorial à hora da despedida. Agora sonho com botas cardadas.
Sonhos maus
«Morre-se muito nestes dias em que o xadrez não tem peças, mas gente. Tombam os bons e os maus. Tombam os loucos e os santos»