Sinestesia

Escrito por António Costa

Algumas pessoas experimentam um estado raro que faz com que vejam sons, cheirem cores e saboreiem formas. As suas perceções surgem de uma singular mistura dos sentidos conhecida como sinestesia (do grego syn, “junto”, e aisthesis, “sensação”). As relações sinestésicas consistem em interferências entre perceções sensoriais. Uma pessoa sinesteta pode ouvir em cores, ver sons e percecionar sensações gustativas ao tocar num objeto com uma textura determinada. Por exemplo, a sinestesia de primeiro grau refere-se à mistura de perceções de dois sentidos diferentes; pelo contrário, a sinestesia de segundo grau caracteriza-se por associar a informação de um sentido a uma emoção, um objeto ou uma ideia.

Durante os seis primeiros meses de vida todos somos sinestetas, de forma que as áreas cerebrais percetivas correspondentes aos diferentes sentidos se ativam conjuntamente perante um estímulo sensorial (ruído ou luz, por exemplo). Não sabemos porque é que certas pessoas, 2% da população, aproximadamente, mantêm estas interconexões, e o resto, a grande maioria, as modula, e cria um mapa sensorial específico para cada sentido (para expressá-lo de uma forma simples).

Muitos consideravam os sinestetas uma vanguarda espiritual da humanidade, mais próximos de Deus do que os que têm sentidos segregados. «Estas pessoas são altamente sensíveis», escreveria o pintor abstrato russo Wasily Kandisky, «são como os bons violinos… todas as suas partes vibram ao contacto com o arco». Em cada sinesteta as perceções cruzadas são estáveis e individuais. Começam na infância e não mudam ao longo da vida. Sabe-se pouco sobre as causas, mas parece possível a existência de um componente genético, já que cerca de um terço dos sinestetas tem familiares com experiências similares, e foi proposto que se transmita pelo cromossoma X. Sugeriu-se também que pudesse ter um componente maturativo, derivado de um défice no estabelecimento dos circuitos cerebrais. Com o amadurecimento, a perceção dos sentidos separa-se à medida que se vão estabelecendo associações, mas nos indivíduos sinestetas esta separação não se produz.

Teste de Sinestesia (Imagem retirada de https://neuropsicopedagogianasaladeaula.blogspot.com/2013/04/o-que-e-sinestesia.html)

O teste seguinte é um dos que se utilizam para verificar se alguém é sinesteta: apresenta-se a imagem da esquerda ao sujeito. Se este tiver sinestesia verá os “2” de uma cor diferente e poderá identificar o triângulo de “2” na figura muito mais depressa do que uma pessoa não sinesteta. Este teste foi desenvolvido na Universidade da Califórnia por V.S. Ramachandran, que argumenta que «um processo similar à sinestesia pode ser o responsável pela capacidade humana para criar metáforas e ser importante para a criatividade». A sinestesia é oito vezes mais comum em artistas, poetas e romancistas do que na população em geral, o que parece indicar que está ligada à criatividade de uma maneira um tanto misteriosa. E Ramanchandran interroga-se: será a sinestesia uma espécie de fóssil neuropsicológico, uma pista para entender as origens evolutivas e a natureza da criatividade humana em geral?

Sobre o autor

António Costa

Leave a Reply