Simplesmente, Greta

Greta Thunberg tornou-se a figura mundial do ano

Inesperadamente, Greta Thunberg tornou-se a figura mundial do ano! E inesperadamente, ouvimos e lemos diariamente tanta gente a odiar uma adolescente que não fez mal a ninguém e luta por uma causa – a sua, e que devia ser a nossa, a de todos!

Greta Thunberg não é uma ativista do terrorismo, nem faz parte do Daesh, não é uma criminosa, nem matou ninguém. Greta Thunberg não anda por aí a atacar sequer quem a ataca a ela, limita-se a defender a sua caminhada ecologista. Mas gera ódios e ataques vis, para diminuírem a força da sua mensagem.

Não faltam teorias da conspiração sobre a jovem adolescente que pôs toda a gente a falar sobre a emergência climática, sobre a necessidade de mudarmos hábitos, sobre o ambiente. Os seus detratores têm dito barbaridades sobre a sua família. A mãe foi acusada, entre outras coisas, de práticas satânicas – Malena Ernman, é uma extraordinária cantora lírica (ouçam a sua interpretação da Habanera, de Carmen https://www.youtube.com/watch?v=WcXBm4_kN8U); e o pai tem sido acusado das mais variadas anormalidades, quando na verdade é um reputado ator e produtor de teatro. São personalidades distinguidas na Suécia, que têm duas filhas ativistas, e uma decidiu sair à rua em defesa das suas ideias apesar de ter um problema de saúde que a poderia diminuir. Talvez faltasse um rosto, uma liderança, alguém que levasse a bandeira do ambiente, mas há muito que a ciência evidencia as alterações climáticas.

Na semana passada, passou pela Guarda a bordo do comboio Lusitânia – https://www.ointerior.pt/eventos/a-noite-em-que-greta-passou-pela-guarda/ – porque escolheu ir de comboio de Lisboa para Madrid, para participar na cimeira pelo clima. Demorou quase 11 horas, quando podia ter ido de avião em menos de duas, mas, também estranhamente (até por cá) recebemos comentários e mensagens de gente furiosa: «porque ela viaja sozinha» – não, ela viajava com muitos adultos, nomeadamente o pai, que discretamente a acompanha; «porque devia era estar na escola» – claro que sim, mas ela fez greve, vai regressar à escola no próximo ano, e entretanto exibe um pensamento estruturado, expressando-se num idioma que não é o seu (em inglês) melhor que muitos adultos na própria língua (e em Madrid falou em inglês e espanhol). A escola é quase tudo, mas não é tudo. O conhecimento e a sabedoria não estão encerrados entre paredes, na escola ou nas universidades. E a arte de aprender pode estar em qualquer sítio e em todos os momentos da vida. Há mais mundo para além da escola!

Joana d’Arc teria 16 anos quando se tornou heroína na Guerra dos 100 Anos, aos 20 foi condenada à fogueira por heresia. A sua valentia e coragem na condução dos franceses, em Orleães, foi considerada obra de bruxaria no séc. XV. Cem anos depois, a mesma Igreja que a condenou, considerou-a um símbolo do catolicismo contra a reforma protestante; em 1803 Napoleão declarou-a símbolo nacional de França e em 1909 foi beatificada. Em 1920 canonizada. A Igreja Católica que a atirou para a fogueira pela sua coragem e atrevimento em 1431, canonizou-a em 1920, e nomeou-a Santa da Igreja.

A Humanidade é assim. Demora sempre muito a ver a luz. E quando aparece alguém fora dos cânones assusta. A mudança sempre assusta, mas só mudando os hábitos e a forma como vivemos e consumimos podemos dar sustentabilidade e futuro à terra. Felizmente a Europa já percebeu isso e esta semana a nova Comissão anunciou medidas nesse sentido. A jovem sueca quer chamar a atenção para a emergência climática, e está a consegui-lo. Simplesmente!

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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