Sim, senhor califa

“Para os saudosistas, esta comissão de inquérito ressuscitou o folhetim oitocentista, fazendo os leitores correrem para a leitura diária de mais um capítulo da novela rocambolesca que o Governo nos proporciona. Bem hajam. Podem não governar maravilhosamente, mas pelo menos sempre nos divertem.”

Nas audições da comissão de inquérito da semana passada, ficámos descansados ao saber que o Governo da república está entregue a gente que defende o património da nação a soco e pontapé.
O ministro, nascido no planeta Blogger, que veio para a Terra defender com unhas e dedos a governação de um herói tornado vilão, tem hoje a sua própria tropa de combate fandanga. Embora o próprio se confesse colérico e ditatorial, a sua violência manifestava-se essencialmente em posts e tweets, uma versão de pancadaria que não deixa nódoas negras. Que se saiba, nunca ninguém se fechou em casas de banho ou ficou trancado em garagens por causa dos remoques do deputado, secretário, ministro.
Ficámos também a saber que, numa versão política de uma marialva expressão, por trás de um grande ministro há sempre uma grande chefe de gabinete. É verdade que nas declarações do ministro há várias contradições. Por exemplo, umas vezes fala na chefe do seu gabinete, outras vezes, na sua chefe de gabinete. O povo exige o esclarecimento cabal do uso pronome possessivo. Como diz o ditado popular, “o seu a seu dono”, importa saber o que é afinal seu, se a chefe, se o gabinete – ou se os dois, caso em que a expressão mais correcta seria a sua chefe do seu gabinete.
A grande vantagem desta história é a possibilidade quase infinita de ser usada em cursos de escrita criativa. Entre personagens da banda desenhada, como o Iznogoud de Goscinny, o grão-vizir que quer ser califa no lugar do califa, ou um super-herói que sai da caverna para combater o mal, e imaginários dos contos de fadas, como a bruxa má ou o lobo mau, ou mesmo o magnífico Humphrey da série “Sim, senhor ministro”, as adaptações possíveis não cabem nas folhas deste jornal.
Para os saudosistas, esta comissão de inquérito ressuscitou o folhetim oitocentista, fazendo os leitores correrem para a leitura diária de mais um capítulo da novela rocambolesca que o Governo nos proporciona. Bem hajam. Podem não governar maravilhosamente, mas pelo menos sempre nos divertem.

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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