Serra de Estrela

“Povo da Beira Serra: Fazei o que sempre fizestes. Tratai de vós. Ninguém mais o fará. Vós, com as mesmas forças que reconstruíram aquela mata de castanheiros. Demorou 50 anos para reiniciar o soito. “

Dizia-se de Estrela porque era garantido que do seu alto se via a Estrela mais luminosa do Universo,
Aqui! estou sentado; à minha volta, flores e folhas tombadas pelo chão, feitas em carvão. Nesta encruzilhada de caminhos que sobem e que descem e que deram para este destino.
Destino em campo vasto, campo onde volteiam, cruzam, arrastadas pelos ventos vagueando pela amplidão do pensamento. Pensamentos desabam sobre os mundos. Os mundos atropelam-se agora sem terra como a sua. A vida, o meio, o instinto, a natureza, desativam a vida que de milénios herdada. Pela Beira Serra, a nossa terra, partiu. Em busca de outras terras.
O novo meio. Ingrato. Tão diverso. Mais propício para este. Mais ingrato para aquele. Parece-me hora de parar nesta encosta do monte. No granito. Despido para encher de terra a Meseta e fazer Leão e Castela. Pagam-nos vindo por lá o Sol. E aqui na Serra de Estrela tudo pareciam tronos, altares, estes Montes da Serra da Estrela. Batia-lhe à porta com corações. Dava o lume de Deus. Aquecia toda a vida. E deste Parque quase que tão bom quanto infantil para cada um de nós. Eu era apenas assistente.
Mas houve uma noite que as forjas de Vulcano abriram. As grandes fornalhas do Universo libertaram o deus do fogo que nos carboniza.
Este não é o lume de Deus é o lume do Mostrengo que arde na incúria. E há carvalhos, castanheiros e pinheiros. Há despojos de alma que quase não restaram.
A hora foi alterada, o ponto é indeciso e incerto. A história encarquilhada. Pétalas sem história. Elevações onde os passos nada deixam no caminho.
Daqui vejo, enfim, a corte negra da Morte.
Depressa aparecem cortesãos. Juntam-se sete Ministros e sete Presidentes de Autarquia na corte negra da morte.
Não se lembraram de apelar para a Alma de saber e conhecimento que produziu a expedição à Serra d Estrela em 1881. E garante-se que agora, em 2022, é que o estudo vai ser a valer e em vez do blá, blá… fazes tu, se ia mesmo realizar.
Como é hoje corrente, convocaram Corte para o negro da Morte. Nessas Cortes prometeram mas não inspiraram, não lideraram movimento que só os Povos em simbiose com o Cosmos consegue fazer. Foram umas Cortes de onde não saiu um coro de ânimo, entusiasmo e capaz de lavantar do chão, Vida.
Vindos e voltados a Lisboa. Foram assustados. As promessas não impediram que passado sobre a reunião da tal Corte a Água fizesse o que sempre fez. Ninguém se entusiasmou para levar por diante a ressurreição. A ressurreição fica prometida e pobremente julgam que está cumprida. Mas em Lisboa, no Terreiro do Paço e os seus lugares-tenentes nos Concelhos ficaram apaziguados. Estiveram numas Cortes e para a semana é que iria estar estudada e com paciência tudo seria justo e pefeito. Não foi, nunca é. Aliás, a mata de Monsanto tem um corpo e quartel de bombeiros só para uma mata. Ao Parque Natural da Serra da Estrela bastaria, bastou, convocar e reunir as Cortes no negro da Morte.
Mas ontem, numa outra vertente da Serra de Estrela coberta com um vasto e basto souto ardido há 40 anos, vi de novo um souto, Souto novo. Sem castanheiros enxertados para dar boa castanha, mas a Serra em 40 anos sem intervenção de seja quem ser convocado em Cortes tinha-se regenerado, tinha levantado Vida do chão.
Povo da Beira Serra: Fazei o que sempre fizestes. Tratai de vós. Ninguém mais o fará. Vós, com as mesmas forças que reconstruíram aquela mata de castanheiros. Demorou 50 anos para reiniciar o soito. Em Cortes convocadas para o negro da morte que lançaram sobre a Serra de Estrela apenas o Cancro*… a todos apanhará. Mas garanto que, apesar dos que confluiram às Cortes do negro da morte, daqui a 40 anos lá estarão carvalhos, castaneiros e pinheiros.
A menos que o entusiasmo e o que resta da Alma da gente da Beira Serra se ponha a caminho, novamente, a Terra prometida da Serra de Estrela lá estará para os vossos filhos.
Casal de Cinza, 18 de setembro 2022

* Cientista
** em “Praça Velha”, nº 41, pag. 13, 2021

Sobre o autor

Fernando Carvalho Rodrigues

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