No meio de uma qualquer praça ou de uma qualquer sala, mergulhamos na ilusão com que, em menos de um segundo, enterramos o ano velho e damos as boas vindas ao novo. Bem sabemos que um funeral instantâneo não bastará para enterrarmos o implacável 2024 de que acabamos de sair, mas percebemos, melhor ainda, que não podemos desistir de contrariar o lado mais sombrio da humanidade que o marcou.
Nos Estados Unidos, de nada serviu alertar os cidadãos para o que se perde quando se cede à divisão e à intolerância e foi novamente eleito um populista, a braços com a justiça, mais interessado em acumular riqueza para si e para os seus amigos e correligionários do que no futuro do próprio país ou do mundo. Na Europa, a ressabiada Rússia não desiste de querer conquistar território a Oeste, continuando a massacrar os vizinhos ucranianos para lhes tirar mais um pedaço de terra. Na União Europeia, apesar de até os sobreviventes do Holocausto terem apelado aos jovens para que não deixassem de ir votar, vimos a Polónia, a Itália e a Hungria recuperar políticas regressivas, próprias da extrema-direita que, implacável, prova estar longe de ser derrotada.
Ao longo de 2024, desde Gaza, onde o mandado internacional de prisão para Netanyahu não produziu qualquer efeito, até ao Sudão, da Amazónia ao Afeganistão, vimos o horror e a injustiça à solta. Claro que a isto não será alheio o facto de, cada vez mais, a riqueza disponível se concentrar nas mãos de uns poucos. Conforme comprova o ranking dos ricos anualmente publicado pelas revistas da especialidade deste mundo. Um tipo de imprensa que os donos do dinheiro controlam e utilizam para, persistente e eficazmente, nos convencer de que o mundo pertence, legitimamente, aos donos daqueles nomes. Numa espécie de endeusamento dos ricos, esta cairá no tipo de publicações que apenas visam que o resto dos mortais assuma que a Democracia é má, que o Estado de Direito e Social falhou, que, em nome do poder de uma classe privilegiada e gananciosa, devem acabar. Como se essa fosse a ordem natural das coisas da humanidade, os novos poderosos, entre os quais alguns recentemente, outros, nem tanto, eleitos, defendem direitos diferentes e garantias diferenciadas. De acordo com o tamanho das contas bancárias e do poder bélico que cada uma possa comprar, primeiro, com o local onde se nasceu e a cor da pele, depois, obviamente.
Ora, se estas não forem razões mais do que suficientes para, no ano que agora começa, arrepiarmos caminho e deixarmos de acreditar que o mundo perfeito nos cai do céu, também não sei que outras possam ser. Assim, antes de desatarmos a desejar feliz ano novo, o desejável será que enterremos, definitivamente, o fatídico ano velho. E, enquanto nos livramos da caterva de trabalhos em que nos metemos em 2024, podemos ir exigindo que o Direito internacional seja reposto e os Direitos Humanos sejam novamente respeitados. Se não o fizermos, se não formos capazes de o fazer, duvido muito que este novo ano possa ser bom. Ou, pelo menos, bom que chegue para dar uma nova oportunidade ao Planeta e à humanidade.