Sem eira nem Beira

Escrito por Fernando Pereira

Defendo há muito a atribuição de subsídios à agricultura porque é a única forma de manter as terras com ocupação e desenvolver o sector produtivo (…)

Um dos aforismos do quotidiano diz: «Quando um pobre come galinha, um dos dois está doente»!
O som das vuvuzelas dos relógios das igrejas são os únicos sons audíveis na maior parte das aldeias de uma Beira esvaziada de gente e de perspetivas de um futuro melhor. Vemos escolas fechadas, parques infantis ao abandono e só a presença diária da carrinha do padeiro consegue quebrar a monotonia de um quotidiano de desvida!
Num período de euforia eleitoral, em quase todas as aldeias fizeram-se polivalentes, muitos com iluminação e balneários, e perante o estado de degradação acentuado o que se depreende é que nunca terão servido para grande coisa, a não ser para que os autarcas se tenham atascado num lodaçal de entremeada, febras e vinho de duvidosa qualidade no dia da sua inauguração com fogo de artificialidade e lágrimas dos contribuintes!

As aldeias orgulham-se do seu mais recente equipamento, a capela mortuária, espaço que deixará de ter uso porque à medida que vão minguando os vivos, os mortos deixam de ter quem os enterre! Estou a ser pessimista ou estarei apenas a debitar umas “avulsisses” sobre um tempo que parou, num mundo rural longe das descrições de Aquilino ou Júlio Dinis!
Há, contudo, alguma de coisa positiva no meio disto tudo, e embora de forma paulatina vai-se assistindo à recuperação de alguma agricultura, e hoje veem-se muitos campos tratados com outros meios, longe da desgraça que era o “mundo rural” do Estado Novo. Defendo há muito a atribuição de subsídios à agricultura porque é a única forma de manter as terras com ocupação e desenvolver o sector produtivo, fundamental para o sucesso económico no futuro do país. Obviamente que esse subsídio tem que ser acompanhado por funcionários públicos com formação e no terreno, e não se fazer o que tem sido habitual, que é a recorrente situação de funcionários publicados fazerem relatórios à medida.

Nestas crónicas tenho alertado para a falta de empenho do poder central no interior. Os próprios eleitos do interior vão-se esquecendo de quem os elege. Não é uma prática deste governo, é a política normal de qualquer governo da República, embora seja uma situação recorrente desde a monarquia. Não fora o arrojo de se ter construído o caminho-de-ferro, tão maltratado pelo salazarismo e continuadamente abandonado pelos governos da democracia, e o interior hoje era uma verdadeira capela funerária de gentes e desfuturos.

A situação do interior traz-me à lembrança uma anedota que circulava nos tempos da “guerra fria” sobre alguma inoperância dos serviços públicos da ex-URSS: Num compartimento de um comboio na URSS estavam Estaline, Krutchev e Brejnev. O comboio que devia estar a andar permanecia parado, e Estaline levanta-se dizendo que ia tratar do assunto. Voltou sorridente e disse que tinha enviado o maquinista para o “gulag” e o comboio ia andar com o fogueiro a fazer as vezes do colega. Permaneceu parado. Krutchev levanta-se, sai do compartimento e regressa ufano dizendo que o comboio ia andar porque ele reintegrou o maquinista e premiou-o com um prémio da emulação socialista. O comboio permaneceu parado. Brejnev levantou-se, fechou as janelas e o compartimento ficou numa escuridão total, e disse, meus senhores, o comboio está a andar!

Para tempos novos no interior lembro Odorico Paraguaçu, essa imorredoira figura de perfeito de Sucupira, interpretado por Paulo Gracindo: «Vamos botar de lado os entretanto e partir logo para os finalmente».

Sobre o autor

Fernando Pereira

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