Se propaganda enganosa é crime, porque existe campanha eleitoral?

Escrito por Carlos Peixoto

“A poucos dias das eleições autárquicas, o primeiro-ministro travestiu-se de Tio Patinhas e anda pelo interior do país, aquele onde não quis reduzir as portagens, a prometer o melhor dos mundos aos incautos eleitores que ainda se deixam levar pela sua conversa fiada.”

António Costa, o primeiro-ministro, pôs de lado a vergonha e a decência. Se a cultura da propaganda e da gestão de expetativas são o seu timbre desde que exerce funções políticas, nestes tempos de pré-campanha autárquica transbordou. O PS e o Governo fundiram-se num só. Os recursos públicos, que são dos portugueses, são falados como se fossem do PS. As obras e os projetos pagos com o dinheiro de todos os contribuintes (inclusive dos europeus) são despudoradamente anunciados como se fossem propriedade do aparelho socialista. A neutralidade e a imparcialidade de quem devia dar o exemplo de respeito pela separação de poderes e de funções deu lugar a promiscuidade e à imoralidade. Já vale tudo para se alcançar aquela velha máxima de que “com papas e com bolos se enganam os tolos”.
A poucos dias das eleições autárquicas, o primeiro-ministro travestiu-se de Tio Patinhas e anda pelo interior do país, aquele onde não quis reduzir as portagens, a prometer o melhor dos mundos aos incautos eleitores que ainda se deixam levar pela sua conversa fiada. De supetão, pôs a circular que o Governo quer ter cursos de medicina em Vila Real, Aveiro e Évora. Com esta tirada, que vale tanto como um tostão furado e que não é mais que fruta da época, o que lhe interessa é apenas piscar o olho àqueles que vão votar no dia 26 de setembro com a esperança (algo infantil, diga-se) de que levem no boletim de voto uma prenda no sapato das listas socialistas. Se nenhum de nós estiver vivo quando o primeiro aluno de Medicina concluir o seu curso naqueles distritos, isso já não interessa ao Dr. Costa, pois também ele já cá não estará para ver nem para prestar contas.
Mas todos vimos que na paragem que fez na Guarda, para um comício chocho, e no café que tomou na Mêda, nenhuma oferenda trouxe na cartola, tal é a descrença no seu candidato e a irrelevância a que vota o distrito, que já nem para a fumaça serve. Em Viseu, porém, tirou a barriga de misérias e prestou-se ao inimaginável papel de servir de guarda de honra ao candidato local e de o ouvir, com uma descomunal desfaçatez, a anunciar – ele próprio, o candidato à Câmara, imagine-se (!!!) –, mais um fanfarrão investimento público na área da saúde, a Escola Superior de Tecnologia na Saúde de Viseu. Nada mais deplorável. Então uma “obra” do Estado, que não tem partido político e que vive dos gigantescos esforços de todos os contribuintes, é brandida numa campanha eleitoral por um candidato a uma autarquia como se fosse uma obra municipal, propriedade do PS e que só será feita se o PS ganhar por lá as eleições autárquicas?
Está bem de ver que se a coisa não passasse de um foguete e fosse para levar a sério, seria o líder do Governo a falar nela, ainda que mal, porque sempre tresandaria a propaganda barata. Esta bagunça, que se replicará até dia 26, e que mais não é do que uma chantagem velada aos eleitores (e que em linguagem corriqueira se pode traduzir por “quem não é do PS não mama”) vem, aliás, na inqualificável linha de ação do chefe do Governo nos últimos tempos. Não há dia em que não use os fundos comunitários e a “bazuca” como forma de seduzir os eleitores a votarem nos candidatos autárquicos do PS. O aviso é que o país precisa de «autarquias que estejam empenhadas em investir na habitação e nos transportes públicos na articulação com o terceiro setor (social) para desenvolver equipamentos como por exemplo a rede de cuidados continuados integrados», isto é, de autarquias alinhadas com os objetivos do Governo, pois só essas garantem o acesso ao pote e têm mais possibilidades de obtenção de fundos. As outras, aquelas que não seguem a cartilha socialista e têm opções de investimento em diferentes áreas, são as desalinhadas e ficam a ver navios! É assim que se domesticam e chantageiam eleitores e é assim que o Estado se envolve direta e obscenamente nas eleições a favor do partido do poder.
Alguém tem de dizer ao primeiro-ministro que os milhões do Plano de Resiliência e Recuperação não são dele nem do PS, são dos portugueses. E que em vez de gastar tempo nestas hábeis artimanhas, era muito mais edificante que o seu “roadshow” pelo país servisse para nos dizer como pretende o Governo inverter a perpetuação da pobreza em Portugal, melhorar a situação aflitiva em que se encontra a classe média nacional, ou potenciar o espaço de afirmação das empresas e dos empreendedores, que o Estado ocupa e asfixia sem dó nem piedade. Nada disso. O projeto de crescimento do país é cada vez mais uma miragem e o projeto de poder do PS, esse sim, é cada vez mais a viagem que o primeiro-ministro pretende fazer. O logro e o embuste irão sempre nos seus ombros, como ainda se viu no domingo, ao propalar a diminuição da taxa de desemprego sem explicar que o feito ocorreu à custa da maior contratação de sempre de funcionários públicos, que são já mais de 731 mil, um número que está prestes a bater o recorde da história, ainda que mais de 300 mil pessoas esperem há mais de 6 meses pelo cartão de cidadão e há mais de 2 meses pelos passaportes que antes se obtinham numa semana…
O mais grave é que o Governo atira a pedra e esconde a mão, procurando ardilosamente iludir as estatísticas. Como destaca o “Diário de Notícias”, de 05/09/2021, «os empregos na Administração Pública, incluindo médicos, enfermeiros e professores, abrilhantam agora os dados sobre o “emprego privado” apresentados pelo Governo, um conceito que não existe no Instituto Nacional de Estatística». Parece mentira, mas foi a este estado de ilusionismo a que o Estado chegou. Como sempre, quem vier a seguir que apague a luz, para não se verem as desgraças! O pior é que da última vez, quando ela se acendeu, estava a “troika” dentro da sala.

* Deputado do PSD na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

Leave a Reply