São Nunca, à tarde

Escrito por António Ferreira

Contam-me os esforços da Câmara para arranjar um padroeiro à cidade. Um tema destes nas mãos de um ateu pode correr mal, mas prometo conter-me. Mesmo assim, na minha forma de ver as coisas, terei de identificar o assunto como uma variante celestial, digamos, da terrena atividade do “lobbiyng”. “Senhor”, suplicaria por nós o nosso padroeiro, “podereis Vós ajudar aquela gente com aquele problema de …” (inserir problema). É claro que a resposta poderia ser “porque deverei ajudar esses em particular e não todos os que têm o mesmo problema?”, ou até “mas tu achas que isto vai de pedidos, que Eu não determinei já há muito o destino de todas as minhas criaturas?”, mas isso é uma questão de outra magnitude, a ser debatida noutros lugares (nem que seja, por exemplo, afixando um manifesto numa qualquer catedral alemã).

Alguns podem pensar que a Câmara concluiu que os problemas da cidade já não podem ser resolvidos pelos meios normais, ou que só lá vamos com milagres, o que é inquietante, mas demos de barato que se trata apenas de preencher um vazio, de encontrar um santo para uma cidade que não tem nenhum (é melhor também não insistir neste caminho).

Uma abordagem para a escolha do padroeiro poderia passar por uma sondagem na cidade, destinada a apurar qual o santinho, ou santinha, de maior ou especial devoção da maior parte das pessoas – uma vez que parece afastada a possibilidade de um concurso público. Outro seria seguir critérios com alguma lógica: São Pedro ou São João, pelo caldo de grão e pelas sardinhas?; Ambos?; O santo que calhe no calendário no dia da cidade?; O que corresponda, nos “super-poderes” (desculpem) geralmente atribuídos a cada um dos santos, às nossas necessidades?

Outra, talvez mais adequada, com mais cor local, seria aproveitar o momento para recapitular tudo aquilo de que a cidade precisa, ou foi prometido, e não tem. Lembro-me, por exemplo, da estrada para o maciço central da Serra da Estrela, da Alameda da “Ti Jaquina”, da segunda fase do novo Hospital, do regresso dos serviços públicos que saíram ou, tendo sido prometidos aqui, foram para outro lado, de uma solução para o despovoamento, de uma baixa de impostos, começando pelo IMI, da abolição das portagens na A23 e na A25, de estratégias para fazer regressar os muitos que partiram, do Centro de Estágio em altitude, da conclusão da VICEG. Este historial sugere o nome de um santo e poderá perfeitamente ser São Nunca.

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António Ferreira

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