Salada em russo

É a velha técnica, também muito portuguesa – se os estrangeiros não falam a nossa língua, repete-se mais devagar e mais alto.

Além da pobreza generalizada, de mastodontes arquitectónicos, e de um rasto de perseguições e deportações, o regime comunista da União Soviética deixou um outro legado imperialista – a língua russa.
Na Ucrânia, na Moldávia e na Arménia é tão comum ouvir falar russo como as línguas locais. Os russo-falantes assumem que o russo é a língua franca, e iniciam qualquer conversa em russo sem perguntar. Essa assunção é de tal forma enraizada que me questionaram como é que vivia em Vilnius e não falava russo. Lá tive de explicar que, além de eu ser um estrangeiro da ponta ocidental da Europa, o russo está em vias de extinção na Lituânia. Além da minoria russa ser muito pequena, as novas gerações não estudam russo e as gerações que ainda estudaram russo na escola soviética não fazem nenhuma questão de ensinar esse idioma aos filhos. Pelo contrário, a geração sub-30 da Lituânia é exímia anglo-falante. É trocar uma língua imperial por outra? Seja, mas pelo menos partilhamos o mesmo alfabeto.
Já na Ucrânia, na Moldávia e na Arménia encontrar quem entenda inglês pode ser uma tarefa bem complicada. Nos casos divertidos, pede-se um sumo de laranja e recebe-se um batido de banana – e bebe-se. Nas situações difíceis, recebem-se instruções da polícia de fronteira ucraniana numa língua eslava (não consigo distinguir ucraniano de russo) – e borra-se de medo quando a instrução é repetida num tom mais alto e mais agressivo, mas à mesma em russo ou ucraniano. É a velha técnica, também muito portuguesa – se os estrangeiros não falam a nossa língua, repete-se mais devagar e mais alto.

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

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