A cidade da Guarda é capital de distrito, mesmo que isso hoje signifique pouco. É sede de Comarca, de uma Unidade Local de Saúde, de um Instituto Politécnico, de uma diretoria da Polícia Judiciária. Tem sedes regionais de importantes serviços públicos, como os da Segurança Social, das Finanças, da Autoridade para as Condições de Trabalho, do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do Instituto de Emprego e Formação Profissional e muitos outros certamente, mas que agora não recordo. Está na confluência da A25 com a A23, das linhas de caminho-de-ferro da Beira Alta e Beira Baixa. Fica a meia hora de Espanha, a três de Lisboa e a duas do Porto.
Tem esta cidade tudo para se desenvolver rapidamente, para aumentar a sua população e se transformar num importante centro de desenvolvimento regional. As grandes empresas da distribuição alimentar têm apostado nisso e praticamente todas abriram já ou vão abrir lojas na Guarda. A região tem interesse turístico e alguns bons investimentos ou iniciativas atraem agora mais gente. Os Passadiços do Mondego ou a Rota das Faias, em Manteigas, são bons exemplos.
Se assim é, perguntarão, o que correu mal e porquê?
Sim, é que há o reverso de todas essas brilhantes medalhas. A população da cidade atinge pouco mais de 26.000 habitantes e a do concelho pouco mais de 40.000, de acordo com os Censos de 2021. Tem muito poucos restaurantes de referência, e apenas meia dúzia deles, ou nem isso, justificam a deslocação. O comércio de rua, ou tradicional, é pouco mais do que simbólico. Desapareceram a maior parte dos cafés e não há livrarias, a não ser a Bertrand, onde se encontrem as novidades mais significativas. O centro histórico está em ruínas ou largamente abandonado. Se não fossem os jovens estrangeiros que estudam no Instituto Politécnico, a ideia geral seria de que vivemos numa cidade de velhos.
Proponho a comparação com três cidades (há mais, mas fiquemos por estas) de dimensão equivalente, nenhuma delas capital de distrito, mas que nos envergonham todas: Chaves, Lamego e Estremoz. Qualquer delas com muitos mais restaurantes, com um centro histórico mais cuidado, com estacionamento mais fácil, com melhor ordenamento urbano e menos aberrações arquitectónicas. Apesar do seu relativo isolamento, ao menos comparadas connosco, parecem muito mais prometedoras e dinâmicas.
Repito: o que correu mal por aqui? Não foi de certeza apenas uma má gestão autárquica ou pouca sorte, ou as dificuldades do terreno e o frio do Inverno. Uma resposta poderá encontrar-se no excessivo peso do Estado na região. Sucessivas gerações de guardenses, por obra e graça da política ou por opção pessoal, foram encontrando abrigo no setor público. As cunhas e as influências partidárias engrossaram ao longo de décadas os quadros de pessoal da ULS, do Instituto Politécnico, da Câmara Municipal e de todos os organismos públicos. Entretanto, o setor privado era corrido a salário mínimo e vivia dos restos que iam caindo da mesa do setor público. Por isso os nossos jovens não ficam por cá, que também para eles a A25 e a 23 são serventia da casa.
Retrato de uma capital de distrito
“Tem esta cidade tudo para se desenvolver rapidamente, para aumentar a sua população e se transformar num importante centro de desenvolvimento regional.”