O Verão chega e tudo parece regressar à normalidade do calor, dos incêndios, das rotinas mais tristes da política. A tão temida segunda fase pode nem acontecer e o vírus pode não voltar no Outono com a agressividade que se chegou a prever. A taxa de transmissão tem diminuído, e por isso também o crescimento do número de infetados. Falta saber os efeitos do desconfinamento e do regresso às ruas, às praias, às fábricas ou aos restaurantes.
Entretanto todos aprendemos alguma coisa, como por exemplo, que votar mal tem um preço a pagar em vidas, desemprego e sofrimento. Não é por acaso que o país com mais casos e mais mortes tem como presidente Donald Trump e que logo a seguir venha o Brasil. Muitos perceberam finalmente a importância dos hábitos de higiene. Muitas palavras entraram no léxico comum e todos sabemos agora muito mais sobre vírus, vacinas, imunidade de grupo, taxas de transmissão de uma doença, e o que aprendemos irá servir para travarmos futuras pandemias. Muitos perceberam também que se não resolvem nem explicam problemas destes com rezas, teorias da conspiração ou remédios caseiros. A ciência apresentará o remédio possível e entretanto resta-nos o bom-senso. Percebe-se também que num planeta em que a progresso e o crescimento económico dependem da rápida circulação de pessoas e mercadorias, faz falta uma estratégia sincronizada, global. A OMS poderia encarregar-se disso, mas a sua credibilidade sofreu um abalo com alguma subserviência à China e a sua capacidade de reação sofreu com o corte do seu financiamento pelos EUA.
Reabrir é bom, mas não o fazer em segurança, mesmo que relativa, é desafiar a sorte. Sem um mínimo de imunidade de grupo, a reabertura geral implica desafiar a natureza, e a natureza tem sempre razão (como escrevia há dias Thomas Friedman, no NYT, a natureza não perde um duelo há 4.500 milhões de anos). Enquanto o vírus circular entre nós temos pelo menos de diminuir a taxa de transmissão (e só assim se evitará a tal segunda vaga).
A quarentena teve aspetos positivos: sabe-se agora que o teletrabalho funciona, que umas semanas com menos carros na estrada e menos poluição chega para limpar o ar e a água. Percebemos finalmente que temos urgência em compatibilizar a civilização com a natureza e que isso é possível. Vimos em Portugal que, afinal, não somos, nem de perto, um país do terceiro mundo. O sexo está em crise, fruto do distanciamento social e do medo do corpo do outro. Mais uma forma que tem a natureza de nos dizer que somos demasiados e que o nosso número irá diminuir, a bem ou a mal. Menos lugares disponíveis nos restaurantes, nas praias, nos cinemas, nos aviões, não é também uma forma de mostrar que o mundo seguinte não é para todos? Quem tem, agora, no seu perfeito juízo, coragem de usar uma casa-de-banho pública, de entrar numa sala cheia, de forçar à cotovelada a entrada no metro ou o acesso ao balcão de um bar?